Amanhecemos em Estocolmo, capital da Suécia, e vimos a noite continuar soberana com sua escuridão escondendo o sol e as nuvens jogando bilhões de flocos de neve sobre a cidade e seus habitantes, que despertavam para recomeçar as atividades cotidianas. Nós não queríamos perder a menor fração de tempo enquanto estivéssemos lá, por isso urgia conhecer depressa o que de mais lindo e turístico essa bela megalópolis poderia oferecer aos visitantes sequiosos de novas imagens e novas belezas. E nem bem a claridade do novo dia finalmente conseguiu derrotar a penumbra noturna, após tomarmos o desjejum às carreiras, nos apropriamos das indumentárias necessárias e saímos a conhecer tudo que o tempo permitisse e fosse possível da cidade, passeando sob os petardos inclementes e intermitentes dos flocos de neve, os ataques furiosos do trânsito, as investidas das bicicletas por sobre o chão escorregadio pela transformação da neve em gelo, as pessoas já apressadas em busca de seus empregos e de suas atividades que recomeçavam.
Atravessamos cuidadosamente as ruas molhadas e geladas onde o manto de neve enregelante formava um lamaçal escorregadio, cruzamos algumas pontes sob um frio intenso e cortante batendo no rosto, aqui e ali quase escorregávamos, e a neve aumentava de intensidade a cada momento que se seguiam os ponteiros dos relógios. Embora soubéssemos para onde queríamos ir, não conhecíamos o caminho, claro, então perguntei em inglês ao motorista de um enorme caminhão em plena atividade no meio de uma rua onde ficava o palácio real. Eu já sabia de antemão que praticamente todos os suecos falam inglês como pude comprovar ao longo desses dias de minha estada na Suécia. Ele, gentil e pressuroso, imediatamente indicou-me como chegar ao local por nós pretendido. Agradeci e lá fomos nós brigando com os farelos de gelo ousados que também atingiam nossos olhos, desciam pelo rosto e nos ensopavam nossa roupa, malgrado estarmos usando gorro, casaco, sobretudo, luvas e incontáveis camisas térmicas para nos proteger de nossa primeira chuva de neve.
Nós fomos mais que atrevidos adentrando ruelas estreitas, mas tão estreitas que abrindo os braços eu tocava ambos os lados com as pontas dos dedos, e eram ruas feito ladeiras, íngremes, molhadas, na iminência de nos levar ao chão porque escorregávamos em suas pedras lisas. Em pouco, assoberbado pela confiança demasiada, já não sabíamos onde estávamos, perdéramos nossa localização. A neve persistia caindo intensa, e nem por isso pais e mães deixavam de passear com os filhos recém-nascidos por essas ruas minimalistas, imagine só, como se tomassem o banho de neve de todos os dias como no Nordeste brasileiro nossas crianças tomam banho de sol diariamente. A uma dessas mães foi necessário perguntar a direção exata para chegarmos ao palácio real, alvo de nossa jornada. Gentilmente como tem ocorrido desde que chegamos à Suécia, ela nos explicou o caminho certo e, depois de agradecer tal amabilidade, saímos à procura do famoso paço que é ponto de encontro dos turistas do mundo inteiro.
Uma cena inesperada que nos deixou atônitos nos aguardava defronte ao palácio real. Havia um único guarda solitário guardando os portões de entrada do palácio. Hígido, em posição de sentido, calado, debaixo daquela enxurrada de neve sobre sua cabeça e todo o corpo, armado com um fuzil, olhava para frente como e nada visse. Aproximei-me dele e, através de gestos e frses em inglês, indaguei se podia me aproximar a fim de tirar uma foto, e ele respondeu que eu só poderia chegar até ao limite da linha demarcatória que separava o palácio da larga rua onde está situado o portentoso edifício. Minha esposa fotografou-nos duas vezes, agradeci, e ele perguntou-me de que país éramos. Quando disse, ele sorriu e afirmou "Brasil is ver hot!", fazendo-me sorrir e responder "Yes, while here it's so cold!"
Então algo impressionante aconteceu quando nos afastamos dele procurando ontros locais de interesse para conhecer e fotografar: sem mais nem menos, muito mais que de repente, o mencionado guarda do palácio começou a marchar sozinho para lá e para cá todo garboso, apesar da inclemência da nevasca castigando-o. Interessante, ele ia na direção esquerda, marchando com firmeza e imponência, lá na frente parava, apresentava armas, dava meia volta e refazia a marcha na direção contrária, lento, firme, cabeça erguida, fuzil ao ombro, indo até determinado ponto, novamente parando de forma estrtrégica, apresentando armas a alguma autoridade invisível e, logo e de novo, fazendo o retorno em marcha constante e lenta. Permaneceu nessa atividade o tempo todo em que nos dirigíamos a outro local nas proximidades, e certamente ficou marchando a manhã toda por razões inexplicáveis à minha perplexa alma.
Por um desses felizes acasos da vida vi-me bem em frente ao Museu Nobel, homenagem ao idealizador do prêmio Nobel anual que premia escritores, cientistas, pesquisadores, homens e mulheres dedicados à semeadura da paz. Ali, ao lado da foto de Alfred Nobel, todo sorridente, fui fotografado por minha esposa já não me importando com o vento gelado beijando meu rosto nem com os implacáveis flocos de neve enchendo minha roupa de gelo que se acumulava e formava em mim o aspecto dos esquimós habituados às agruras das temperaturas mortais.
Gilbamar de Oliveira Bezerra
g