sábado, 1 de setembro de 2007

UM ABISMO COLOSSAL

Foto de Ana Kaddja



UM ABISMO COLOSSAL
Gilbamar de Oliveira

A grandiosidade do mar desponta como uma dimensão hipnótica e aterradora aos pequeninos e insignificantes olhos humanos. Sua imensidão astronômica chega a ser, podemos afirmar, arrogante, extravagante ousaríamos dizer.
Extraordinariamente gigantesco e assustador, aquele expressivo universo d'água esconde em suas entranhas abissais mistérios que, de tão insondáveis e absurdos, talvez o homem jamais chegue a conhecer ao longo de sua existência. Ninguém jamais conseguirá saber, por concreto, como ele é por inteiro, todos os seus meandros, a profundidade de seus abismos colossais, a característica dos inúmeros seres que o preenchem, por mais que o estudemos com denodo e nos dediquemos a profundas pesquisas para sondá-lo. Sombrio como tudo que é desconhecido e imponente, com seu intimidante cenário hostil, habitado por criaturas das mais variadas espécies, o mar guarda em suas entranhas muitas estórias de vida, lutas e morte que o tempo, aos poucos, vai embaçando com a crosta do esquecimento e o marulhar de suas ondas, que, fluindo e refluindo, abafam e confundem.
O mar é território onde o homem pisa sob cautela, cuidadoso, tomado pela ansiedade e pelo medo. Alguns o temem de modo angustiante e chegam a estremecer ante seus movimentos impetuosos capazes de varrer do mapa até mesmo os mais atrevidos transatlânticos, provocando mortes e melancolia como de fato aconteceu com o histórico Titanic, entre tantos outros malfadados registros marítimos. Na verdade, há um quê de terrível na vastidão do mar, e isso, por vezes, provoca aquele pavor que se espalha na corrente sangüínea humana e vai destruindo toda a capacidade de reflexão que alguém possa ter.
E vai deixando inerte qualquer um que tente compreende-lo o mínimo que seja, em todos os ângulos. Porque ele é hermético, obscuro e impenetrável.
Vislumbrá-lo é, a um tempo, desnorteante e maravilhoso; o desejo é mergulhar e se deixar conduzir pela inebriância de seu vai-e-vem milenar, ao tempo em que brota no coração o ímpeto de sair de perto daquele oceano apavorante e correr desabalado no sentido contrário, ficar bem longe dele, a salvo de suas ameaçadoras armadilhas, o mais distante possível de sua falsa tranqüilidade. O mar pode, decerto, ser doce para a poesia e acalanto para utópicos entusiasmados, mas é um adversário poderoso e mortal, muitas vezes um inimigo perigosamente traiçoeiro.
Tenho pelo mar e o vigor de sua força descomunal o mesmo respeito que a formiga devota ao elefante. Prefiro não ficar sob suas patas, reservo-me o direito de apenas contemplá-lo ao longe, admirando sua, vamos dizer assim, beleza perigosa. Não o enfrento, principalmente não o desafio e somente entro em seu espaço fenomenal pé-ante-pé, buscando firmeza onde piso, não me deixando empolgar por sua falsa meiguice ou por sua calmaria aparente e sem me permitir ser atraído pela ilusão de sua ternura enganosa. Pois, ao tempo em que ele é todo ternura repentinamente se transforma em fúria descontrolada, então já será tarde demais para os incautos.
No entanto o mar, convenhamos, é um imenso celeiro a nos trazer tantos benefícios. Inconstante embora, mal-humorado tantas vezes, mas gigantesca despensa a nos proporcionar, em quantidade e abundância, alimentos ricos, necessários e essenciais à nossa vida, assim é o mar. Além disso, suas águas são como estradas molhadas a levar e trazer riquezas, cultura, conhecimentos, lazer e diversão. Através do oceano vieram os descobridores e transformaram a geografia política e social dos países. Eles fizeram a história navegando por continentes e levando sua influência aos quatro cantos da Terra.
Malgrado multifacetado, com suas disparidades, incongruências e diversidade temática, e ainda que atemorize e pulse com os seres em seu universo e seja, a um tempo, inspiração para os poetas e fonte de dor e morte, o mar é a incomensurável vereda do mistério. E a vida passa por ele

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