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segunda-feira, 21 de novembro de 2011

FLORES NAS RUAS DE BUENOS AIRES


As flores se multiplicam pelos quatro cantos de Buenos Aires, estão por toda parte, nas calçadas, nas cigarreiras, aqui e ali, vendidas em profusão diariamente por suas ruas e avenidas. São várias as espécies, principalmente tulipas vermelhas, copos de leite, jasmins, violetas e um sem número delas provocando encanto e atraindo a atenção de homens e mulheres, muitos dos quais param e escolhem as que mais lhes agradam para levar para alguém decerto muito especial. Vem em pequenos jarros, por unidades, em buquês ou ramalhetes, e já amanhecem cedinho em seus pontos de venda por toda a capital portenha como se fora produto de primeira necessidade e de uso diário. Amontoam-se as pessoas para comprá-las ou simplesmente para vê-las, examiná-las, admirá-las e sentir-lhes o perfume, mas geralmente todos saem sobraçando-as como se levassem consigo um tesouro de inestimável valor.






A beleza inigualável dessas maravilhosas flores enfeita a capital da Argentina os sete dias da semana, vendidas que são diariamente de segunda a segunda. Os argentinos tem grande fascinação pelo frescor que irradiam, pela atração que por óbvio exercem e pelo perfume suavemente delicado e gostoso que se espraia e vai longe por onde estão não apenas para conquistar, atrair e apaixonar, mas também para tornar mais sublime os dias e as horas dos transeuntes tanto turistas quanto, especialmente, os moradores locais. Os diversos vendedores de flores conhecem bem esse fetiche, sabem há muito como elas já caíram no gosto e na ternura dos clientes. Sendo produto perecível, aqueles mesmos compradores de ontem tornarão a adquiri-las hoje e amanhã. Porque flores são alegria inefável para coração, flores são como alimento para a alma, tanto feminina quanto masculina, porque elas não tem gênero, mas ternura.



A oferta de flores pelos muitos vendedores nas ruas e nas calçadas de Buenos Aires, pelo que pude perceber, não é maior do que a demanda dos clientes habituais, geralmente quando anoitece a quantidade vendida equivale quase sempre às incontáveis dúzias trazidas pelos comerciantes ao amanhecer. Todos compram, homens, mulheres, os jovens e os mais maduros, ricos e pobres, é como se as flores já tivessem se tornado parte essencial da existência deles, como se passar um dia sem levar para casa ou para o escritório flores recém-colhidas e exibindo todo seu frescor natural fosse um verdadeiro sacrilégio. Como se sem a presença delas em suas vidas tudo se turvasse, o sol apagasse, o céu deixasse de ser azul, o sorriso fugisse dos seus rostos.




Encantam-me sobremaneira ver esse amor do povo argentino pelas flores, algo não muito comum pelo menos na região do Brasil onde resido. Eu as tenho comprado, a exemplo deles, dia após dia, ofertando-as a minha amada como brinde especial de carinho e amor adicional a nosso passeio em Buenos Aires. Em nossas semanas aqui elas nos tem proporcionado mais ternura, mais encanto, mais alegria contagiante e contribui nesses dias para novas perspectivas, quimeras e reflexões enternecentes, novos horizontes só possíveis se elas estiverem presentes com seu perfume e com sua doçura. Passamos a gostar mais de flores a partir do momento em que, em nossas primeiras andanças pela capital portenha, as vislumbramos enchendo não apenas nossos olhos e coração, mas também dos demais transeuntes que desfrutam o privilégio de encontrá-las pelas ruas e avenidas à disposição dos românticos e sensíveis.




quinta-feira, 3 de novembro de 2011

AS CAFETERIAS DE BUENOS AIRES

Buenos Aires, como muita gente sabe, e isso é  realmente incontestável, é o paraíso das cafeterias, aquele espaço agradável que proporciona momentos de descontração e sorrisos tanto entre amigos que para lá vão se distrair enquanto tomam um delicioso café expresso, quanto em meio a casais cujo tempo dedicado ao romantismo pode ser passado ali sem interrupções ou perturbações.  







As cafeterias de Buenos Aires tem quase o mesmo charme  parisiense, acredito até que provavelmente não fiquem a dever muito às de Paris, se posso assim afirmar, e geralmente são frequentadas por senhoras e senhores maduros, pessoas da classe  média e também das classes acima desse padrão que chegam a todo instante e tomam assento, abrem o jornal, um livro, ou então conversam se estão em grupo e deixam o tempo passar, esquecem a correria. 


Quando preferem sentar-se às mesas situadas colocadas na calçada das cafeterias, acendem seus indefectíveis cigarritos e vão soltando as terríveis baforadas que transformam Buenos Aires num imenso e malcheiroso cinzeiro a céu aberto.





É quase impossível, por exemplo, seguir por alguma rua de qualquer bairro buenairense sem topar com várias cafeterias nas esquinas, espremidas entre os prédios residenciais, ao lado de padarias, confeitarias e quiosques de frutas. 

São centenas delas distribuídas aleatoriamente pela cidade inteira, quiçá sejam milhares, destinadas a todos os gostos e bolsos, espalhando seus aromas por meio da brisa leve, atraindo os clientes usuais e conquistando muitos outros dia após dia.





As cafeterias, como seria óbvio, já fazem parte, ademais, do cenário dos shoppings centers, sendo fácil e rápido na primeira curva de qualquer um deles topar com um Mac Café, um Brioche Dorée, realmente com centena de outros.



Elas oferecem a tranquilidade tão desejada pela maioria, mormente pelos que buscam um ambiente propício à leitura do jornal ou de um bom livro enquanto o tempo passa, algo impossível de ser vivida no burburinho do cotidiano.


Nesses locais, como de regra ocorre em todas as cafeterias, a frequência é interminável, há sempre um grande número de clientes degustando seu cafezinho expresso puro, latte, machiato, acompanhado de medialunas doces e salgadas, tortas e bolos, deixando no ar o característico e irresistível odor do café que convida olfatos argentinos e estrangeiros para sentar e saborear essa bebida tão conhecida, admirada, procurada, desejada e degustada nas cafeterias do mundo inteiro.




Elas, contudo, se multiplicam como coelhos e vão se estabelecendo onde lhes for possível, porque há espaço e mercado amplo para esse comércio já tão popular na Argentina.




Todos os argentinos amam tomar café, amam adentrar numa cafeteria e fazer a festa dos sabores. 






 E não somente eles, é claro, pois não se pode deixar de lembrar que também os turistas fazem parte dos seus apreciadores mais contumazes.






Inúmeras delas, além de antigas em suas atividades na capital, alcançaram fama muito além-fronteiras, como La Biela, El Gato negro, Starbucks, Segrefedo Café, Café Tortoni, Café Martinez e tantos outros.  



domingo, 30 de outubro de 2011

VELHOS? QUE NADA!



Eu os vejo inesperadamente em todas as ruas por onde transito descontraído, sendo-me impossível não me quedar perplexo e feliz a um só tempo por vê-los, pois os admiro pela coragem e vigor de ultrapassar barreiras e por vê-los como se fossem símbolos da vida, ali sozinhos à mercê do repentino, como que conduzidos por bengalas, claudicando mas ainda assim, destemidos, enfrentando o frio cortante ou o sol ardente, vencendo as dificuldades das manhãs, das tardes e das noites, mais ainda assistindo-os  aos tropeções nas calçadas, os semáforos abrindo e fechando mais depressa do que eles conseguem caminhar, o trânsito enlouquecido buzinando às suas costas para que saiam do caminho, as pessoas enlouquecidas pela correria sacolejando-os para lá e para cá como a sugerir que voltem para o conforto de seus lares e aproveitem os últimos anos. Nada disso, não, nenhum argumento os convence de fugir da movimentação ruidosa das ruas e avenidas, ninguém é capaz de prendê-los ao sofá, às camas e à solidão. Embora idosos, enrugados, talvez até mesmo enfermos, preferem viver da forma mais normal que a capacidade física e cerebral lhes permite. São a população da terceira idade de Buenos Aires.


Eles estão em todos os lugares da cidade, nas cafeterias bebericando cafezinhos ao lados dos amigos jogando conversa fora, lendo jornais ou livros, olhando quem passa e quem entra e sai, nas lojas e nos supermercados fazendo compras, nas livrarias, nas farmácias, atravessando de um lado para o outro das largas ruas, nas padarias, nas confeitarias, nas lavanderias, nas praças. Quem como eu os avista mentalmente os respeita e canta louvores à existência, ri emocionado, pára e os contempla imaginando quanto anos teriam. Aquele curvado pelo tempo, teria mais de oitenta? A aparência não nega; e a senhora toda enfeitada com colares, pulseiras, bolsa de marca, cabelos e lábios pintados, a pele do rosto já completamente maracujada, lá vai ela decidida para algum lugar da capital, decerto uma sorveteria, talvez uma cafeteria para encontrar as amigas e papear o dia todo. Como acho belíssimo esse lado dos idosos de Buenos Aires!



Não, em nenhum momento testemunhei hesitação em seus olhares e gestos. Embora caminhem devagar e algumas vezes cansados, seguem intimoratos, vão para onde realmente desejam ir, não demonstram qualquer temor ao impossível, às próximas esquinas, às multidões, não honram o medo. São mais eles, não se preocupam se alguma ameaça sombria do coração lhes perpassa o instante, o amanhã também é deles como foi o ontem e continua sendo o hoje. Parecem personagens de um passado que ainda não passou, que insistem em permanecer se segurando nas pontas, criaturas de um outrora que ousam lutar com o agora, são provavelmente assim, à guisa de folhas agarradas às árvores, malgrado a força do vento que os sacode, da chuva que os castiga e do sol que os escalda.



Tenho-os em conta de titãs destemidos, de guerreiros dispostos a lutar dia após dia a batalha da existência. Por não acreditarem que a velhice é o fim prosseguem, por não aceitarem apoquentar seus dias cuidando de netos insubordinados ou de cães e gatos rebeldes da casa vão em frente, abrem picadas na mata densa, desvirginam veredas e estradas, são vanguarda de uma nova era do viver humano. Parabéns a esses homens e mulheres altivos não subjugados à idade nem às brancas cãs ou à pele engelhada, merecem o reconhecimento geral da sociedade por sua altivez e vontade únicas de continuar semeando a vida, as plantas e a si próprios apesar da ditadura do tempo. Para mim são dóceis e vigorosos exemplos de que não somente os jovens tem direito à liberdade de fazer as próprias rotas, de pisar as próprias trilhas, de sair por aí à toa e sem destino, quem sabe dando uma esticadinha para a próxima cafeteria no intuito de tomar um cafezinho expresso puro ou com leite e ler as últimas notícias do dia porque, afinal de contas, é preciso estar atento aos acontecimentos do mundo tanto para saber mais quanto para se preparar para o porvir. Precisam estar prontos para o futuro, claro.





domingo, 15 de maio de 2011

NO CORAÇÃO DE PARIS








É cedo e está frio em Paris, temperatura em torno de sete graus, mas ela não se importa com isso, faz parte do seu viver o sofrimento cotidiano. Não tem atenção para a ostentação que se apresenta nas vitrines da Louis Vitton, tampouco da Chanel ou Rolex do outro lado da avenida. Nem ao menos dirige o olhar para as pessoas, não se acha à altura, surge no amanhecer e desaparece cabisbaixa quando o dia termina. Faz o que todos os dias habitou-se fazer, prostra-se completamente, sem cerimônia, sobre uma calçada da Avenue Champs Elysees, nas proximidades do Arco do Triunfo, em frente a uma luxuosa loja de artigos diversos, humilhada e arrebatada pela infâmia da vergonha. Sim, apesar de tudo o constrangimento enchia-lhe a alma envergonhada. Todos a olham atravessado(ela é empecilho no caminho), alguns enojados(será que tem mau cheiro?), outros penalizados(mas não dão esmola). Numa das ruas mais famosas de Paris e onde estão localizadas algumas das grifes mais caras da Europa. O luxo desafiando o contraste da pobreza mais contundente. Não é possível divisar o rosto dela, todo enterrado no chão da calçada. O medo da vergonha. E no entanto a mulher maltrapilha necessita desesperadamente assumir quão miserável e irrevogavelmente pobre é. Não somente para si, seu próprio auto reconhecimento, mas no intuito de mostrar aos que vão e vem essa condição que faz dela uma pária faminta e sem nada, sempre a pedir por extrema e inapelável precisão. Além do mais tudo nela e perceptível pauperrismo, pois a miséria está nos molambos que veste, na sua face melancólica escondida na dureza da terra vestida de pedras e cimento, na tristeza dos seus olhos, nas enrugadas mãos calosas e sujas, no seu olhar desamparado. Todo seu eu se encontra impregnado da imundície da pobreza. A coitada é uma insignificante mendiga deitada de bruços não numa avenida qualquer de um país do Terceiro Mundo, mas ali, bem no coração da Avenida Campos Elísios, em Paris.


A silenciosa posição adquirida pela mendiga é estranha. Ela não fala para pedir esmolas, nem vê os pés dos transeuntes, os olhos estão fechados. Permanece nessa imobilidade por horas. A mão esquerda está enfiada dabaixo do corpo, a direita esticada segurando um copo velho à espera que gestos caridosos joguem lá dentro moedas ou cédulas de euros. Pergunto-me como a indigitada mulher consegue controlar as necessidades fisiológicas, sede, fome, dores musculares, nas juntas, na coluna, no pescoço, nas pernas? Contudo, conjeturo a respeito dos pensamentos perambulando em sua mente e imagino mil coisas diferentes que naquele inusitado instante estariam lhe conturbando, mil desencontros de reflexões, uma tonelada de preocupações, montanhas de amarguras atormentando-lhe os neurônios. Ela é apenas ninguém que quase ninguém enxerga em sua passagem pela calçada onde deitou, indo ou vindo. Um ser humano vivo com todas as implicações que essa assertiva representa e implica. Voltará para seu casebre - ou viverá abrigada sob o piso de uma ou outra ponte alhures, bem longe da luxuosa avenida? - em algum lugar da mais longínqua periferia de Paris levando uns tantos trocados para tentar resolver o mais mínimo dos seus inúmeros problemas? Em qual grau de intensidade a sede e a fome corroem-lhe o debilitado organismo?

Transito apressado pelo local durante a manhã e a mendiga desconhecida já lá se encontra despojada no chão como um saco velho cheio de trastes esquecido por algum descuidado. Por óbvio, choca-me a cena e mexe com minha emoção. Inusitado ver aquilo no ponto mais nobre da capital francesa. À tarde, abismado, vejo-a tal qual estava antes, inalterada na sua inércia burlesca, parecendo um corpo adormecido numa posição imperturbável; à noite ela continua do mesmo jeito, sob a feérica iluminação da Avenue Champs Elysees e o ruge-ruge da multidão barulhenta. Embrulha-se-me o estômago, revolta-se-me o espírito, e algo dentro de mim chora inconsolável. Ninguém se importa, nem parece haver um ser humano de bruços numa calçada por onde centenas de homens e mulheres passam indiferentes. Não, eu não esperava isso em Paris. Pelo menos não dessa maneira tão palpável, visível e chocante. A cidade Luz não esconde a sombra negra da pobreza bem no cerne de seu coração, enorme chaga viva que pensa, fala, tem fome e sede e pede esmolas.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

EU, ARTISTA DA GLOBO - Parte II

Acontecer em nossa vida somente uma vez algo sem dúvida inusitado é coincidência e algo a esquecer, mas quando ocorre duas vezes já é fato para ser refletido e analisado. Uma equipe da Rede Globo, composta de muita gente da produção, diversos técnicos, vários cameras e alguns atores como Xuxa e Cissa Guimarães, além dos cantores Zezé de Camargo e Luciano, entre outros, está gravando em Gramado o especial de Natal para 2009. O aparato, a segurança, os cuidados especiais que fazem o já tão conhecido e badalado padrão global tem transformado a cidade num palco de muita expectativa tanto entre os gramadenses quanto em meio aos turistas que circulam alvoroçados em todas as direções.

Normalmente as gravações desse especial têm sido feitas durante a madrugada, provavelmente para evitar o assédio de fãs e curiosos. Mas no dia 14, quando as atenções se voltavam para a apresentação da "árvore cantante", uma das atrações do Natal Luz de Gramado, sorrateiramente a apresentadora Xuxa, seus guarda-costas, produtores, diretores e aquela parafernália de sempre chegaram ao Palácio dos Festivais, em frente à Rua Coberta onde o povo se aglomerava para assistir à apresentação do espetáculo anunciado, e, rapidamente, entraram e isolaram discretamente a área. Lá diversas tomadas foram feitas sob os silenciosos olhares admirados das moças que trabalhavam na bilheteria central onde são vendidos os ingressos para os shows de natal. Ao fim, ainda com a mesma discrição, se foram sem serem percebidos pelo público ali tão perto.

Mas no dia do Grande Desfile de Natal, terça-feira 17/11, novamente a Globo se misturava ao povão numa área obviamente reservada onde uma grua foi instalada para a filmagem do espetáculo e outras câmeras circulavam fazendo tomadas nos ângulos apropriados. Eu e minha esposa estávamos nas imediações para, como todos, ver e admirar a beleza do desfile, das luzes multicoloridas, dos fogos de artifício e das fantasias usadas pelos participantes do fantástico evento. Lá pelas tantas, o show em andamento, as pessoas aplaudindo emocionadas, as crianças felizes e entusiasmadas com tanta alegria e diversão, uma senhora atrás de mim me olhava acintosamente desprezando o desfile. E não parava de me olhar por mais que a multidão explodisse em aplausos e gritinhos de encanto.

Então, sem resistir, toda cheia de ansiedade, a dita senhora me abordou: " você é o Claudionor da novela das sete?" Entreolhamo-nos eu e minha esposa e sorrimos divertidos. "Não, senhora, não sou o Claudionor", respondi. "É, sim, não tente esconder", argüiu ela. "Duas vezes não!", sussurrei para minha esposa que não parava de rir do assédio inesperado. "Tudo bem, senhora, sou eu sim, mas não diga prá ninguém, certo?", eu disse por fim. "Eu quero tirar uma foto com você", surpreendeu-me ela. E, sem esperar anuência, abraçou-me enquanto o marido dela clicava. Depois, estirando-me caneta e papel, pediu um autógrafo, que eu, atônito, dei. Na foto, perplexo, fiquei sorrindo constrangido enquanto a senhora e o marido me garantiam, já indo embora antes do fim do desfile, que não diriam a ninguém da presença de "Claudionor", da novela das sete, no meio da multidão.

Como da vez anterior, quando o jovem afirmou extasiado que eu era um artista e a quem quase fui obrigado a dar autógrafo, vi-me sem jeito e rindo com minha esposa diante daquela situação realmente inusitada. Eu, ator global da novela das sete? rsrsrsrs

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

EU, ARTISTA DA GLOBO

Olhando extasiado o forte nevoeiro sombreando Gramado, sentado num romântico banco da Rua Coberta, abracei minha linda esposa e nos beijamos. Ali, juntinhos e abraçados vendo o fog espalhar-se sobre a arquitetura estilo europeu, as pessoas agasalhadas indo e vindo aos seus respectivos destinos, deixamos o relógio esquecido no hotel e buscávamos eternizar aquele momento mágico e encantador. Estávamos ali para passear e usufruir daquele ambiente romântico e charmoso típico da Serra Gaúcha. A vida se mostrava bela e nós desfrutávamos da serena magia que parecia estar presente em cada espaço vislumbrado.

Súbito, quando parece que o êxtase nos embriaga e o que acontece em derredor não tem qualquer sentido para quem está feliz, um inesperado sujeito esquisitão, meio que tanto abobalhado, alto, bermuda escura, camiseta sem graça e chinelão amatutado, aproximou-se de nós e, de chofre, me olhando bem nos olhos, indagou sem o menor preâmbulo: "Você é um artista?" Deitei os olhos sobre o sorriso disfarçado de minha esposa e fiquei sem esboçar reação, ausente de palavras por não saber o que dizer ao sujeito. Ainda assim, respondi o óbvio: "Não, não sou artista" . Estranha essa indagação completamente descabida e despropositada. Ainda assim, tentei levar na esportiva para desvencilhar-me depressa do intruso e voltar às delícias do namoro no entardecer de Gramado

Ele pareceu genuinamente surpreso com minha resposta, podem acreditar, e, descontente como se não acreditasse em mim, não se conteve: "Você é um artista da Globo, sim, eu reconheci você, não tente me enganar!" Cara estranho aquele, como podia confundir-me com atores globais? Bom, aquilo já estava indo longe demais, claro. Que loucura, que desplante!

Percebi, então, que o malfadado sujeito era, estava para ser ou tinha pirado completamente e, para não contrariá-lo, afirmei decidido: "Não espalha para ninguém não, por favor, estou incógnito e não quero que a mídia me descubra." Ele se mostrou satisfeito, agora sim ciente de estar à frente de famoso artista contratado pela Globo, algo nada usual para mim porque o equívoco acontecia comigo.

Ele sorriu meio cúmplice exibindo dentes irregulares e exigiu, ainda deixando tranaparecer aquele estranho ar de riso nada normal, e tascou confiante: "Se você me der um autógrafo eu não digo prá ninguém que você é um artista e está aqui em Gramado sentado tranquilo perto da Rua Coberta." E sacou do bolso um caderninho de anotações mais a caneta, passando-me em seguida. Conseguem discernir esse fato? Ele se disse meu fã e queria um autógrafo.

Notei o sorriso maroto de minha esposa ao meu lado, procurei conter-me para não rir também e, circunspecto, assinei meu autógrafo cheio de pompa. Entreguei o caderninho assinado e a caneta de volta ao esquisitão, que, todo entusiasmado, piscou-me o olho e, feliz da vida, se foi dizendo à guisa de cumplicidade:"Não se preocupe que ninguém vai saber que um artista da Globo está sentado na Rua Coberta com a esposa, fica somente entre nós"

Segurando a gargalhada, eu e minha esposa viramos o rosto para um sopro brusco de nevoeiro resvalando nossos cabelos.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

FLASHES EUROPEUS

A rodovia Lisboa-Espanha com seu asfalto igual a um tapete persa


As cidades portuguesas e a espanhola visitadas por nós nessa viagem à Europa proporcionaram aos nossos olhos e corações imagens e registros a perenizarem-se n'alma e se fazerem presentes constantemente nas recordações e nas fotos. À medida que os surpreendentes espetáculos desfilavam ante nossos olhos eu ia freneticamente anotando para não esquecer nenhum detalhe ou pormenor, embora muita coisa se perca porque há tanto para ver e admirar e tão pouco tempo para tudo. Afinal de contas, outras paragens visitadas têm sempre algo novo em profusão e espetáculos de beleza e encantamento que, de tão fascinantes, nos embriagam ao ponto de esquecermos ou não termos condições de registrar cada ponto em notas ou em instantâneos.

Peregrinos a pé chegando à Catedral de Santiago de Compostela


Já em solo espanhol, em frente à Catedral de Santiago de Compostela assistimos à chegada de vários peregrinos que fizeram, a pé, o famoso caminho de Santiago, todos felizes sob o peso da bagagem nas costas, o enorme cajado na mão direita, cabaça e concha penduradas como alforjes, os rostos curtidos pelos dias de sol e chuva. Abraçavam-se entre si sorridentes como crianças entusiasmadas e corriam satisfeitos na direção da Catedral, os braços entreabertos, alguns chorando, e muitos deles chorando e rindo ao mesmo tempo. A cena tocante emocionava como se estivéssemos assistindo a um filme dramático. Quase senti descer-me a face a lágrima atrevida que tentei sufocar enquanto pensava que somente uma grande força de vontade aliada à fé capaz de erguer montanhas poderiam sustentar o esforço desses andarilhos em caminhar dias e dias sob o frio, a chuva e o sol, além do desconforto, da sede e da fome para, depois de tantas vicissitudes, visitar o túmulo de São Tiago e abraçar seu busto em orações. O objetivo alcançado parecia dar-lhes ao rosto aquele irrefutável ar de êxtase não encontrado em outras situações.

Sob a chuva, em frente à Catedral de Santiago

Ao voltarmos do almoço, fazendo malabarismos para fugir da chuva insistente e molhadeira naquele entardecer sombrio que bem poderia estar ensolarado em Santiago, algumas vezes fazendo paradas apressadas para bater fotos quando o aguaceiro amainava, escutamos, ao longe, o barulho característico dos grupos de estudantes da universidade de Santiago entoando suas canções em altos brados. Conhecidos por formarem conjuntos musicais denominados Tuna de Santiago de Compostela e venderem suas gravações enquanto cantam nas igrejas da cidade, arrebanhavam turistas que passavam nas imediações e entoavam suas músicas em alto e bom som. Ainda quisemos ir até lá para apreciar sua arte mas razões adversas, mormente a chuva, não nos permitiram.

A chuva caindo em Santiago da Compostela

Tão-logo pusemos os pés na Espanha, experimentamos a famosa torta de santiago sabor amêndoa com a bela cruz estilizada tão característica, devoramos os pãezinhos recheados de manteiga e mel e bolachas tanto de amêndoa quanto de outras gostosuras, produtos estes vendidos a peso de ouro e em euros por uma senhora galega que falava apressada e enrolada em três idiomas, francês, português de Portugal e o dialeto da Galícia. De cara, à nossa chegada em seu estabelecimento, como não conseguíamos compreendê-la, perguntou-me "Parlez vous Français(você fala francês)?", e eu, em não sabendo, respondi-lhe em inglês "I d'ont speake french, only english(não falo francês, somente inglês)", recebendo como réplica um balançar de cabeça a determinar incompreensão e o jorrar de palavras arrevesadas na língua de Lisboa. A partir de então, de modo cangueiro porém razoável, logramos nos entender e foi possível experimentar o delicioso pão de mel que nos vendeu por um preço absurdo.

Compramos, como sempre fazemos em nossas viagens, imãs de geladeira nas cidades de Santiago de Compostela, Fátima, Sintra e Lisboa, não tendo sido possível, porém, encontrar tal artigo nem em Coimbra nem em Porto(os amigos dessas cidades portuguesas teriam como enviar-me um imã artesanal representando o cartão postal de cada uma dessas cidades?). Esses objetos do universo artesanato das localidades por onde passamos, juntamente com as fotos dos pontos mais interessantes e as anotações feitas ao longo da viagem, compõem o conjunto de recordações desses passeios maravilhosos realizados por mim e minha esposa durante o ano.


Quando voltávamos de Porto para Lisboa, por volta das dez horas, horário de Portugal(no Brasil ainda eram seis da manhã!), revendo a bela paisagem às margens da auto-estrada, a guia que nos ciceroneava durante quase todos os momentos da viagem nos mostrou formações inusitadas sobre os postes de energia elétrica, à nossa direita, dizendo tratar-se dos malabarismos impressionantes feitos pela fauna portuguesa, pois aquilo se tratava, imaginem só, de nada mais, nada menos, que moradia de cegonhas. Isso mesmo, olhamos na direção por ela apontada e nos deparamos com enormes ninhos dessas fantásticas aves que povoaram os contos de fada de antigamente. Encarapitados nos altos postes e na grande extensão da estrada, se bem que um pouco afastados desta, a grande quantidade de ninhos fez o enternecimento dos viajantes, todos fascinados ante a inigualável novidade. No céu, como pequenos aeroplanos tranquilos sobrevoando o espaço, algumas dessas formidáveis aves deslizavam com graciosidade e absoluta segurança, deixando no ar o fascínio de sua elegância, o encanto de seu charme e a leveza de seu vôo descontraído. Não sendo percebido por ninguém, sorri todo satisfeito e emocionado parecendo um menino ante a descoberta de notável tesouro.Testemunhar o vôo de cegonhas no espaço aéreo português e ver-lhes os ninhos foi mais um espetáculo diferente a merecer destaque especial em meus alfarrábios.


Os olivais e os parreirais espalhados como tapete sobre montanhas e serras foram outra bela manifestação da natureza para os nossos olhos, e bem assim também os sobreiros de onde são tiradas as cascas com as quais são feitas as famosas cortiças, os lindos pinheiros verdejantes e os eucaliptos altos povoando e pintando de verde as margens da estrada ao longo do caminho e procurando espaço entre as outras árvores, tudo passava à nossa frente como paisagem nova a plantar o enternecimento no coração deslumbrado.


O pombinho desprovido da patinha esquerda

E presenciamos também, estivemos pertinho dele, fotografando-o inclusive, um certo pombinho diferente e esquisito, que tinha a patinha esquerda amputada. Foi estranho para nós encontrar o bichinho com uma só pata a mancar pelo chão atrás de sua turma alvoroçada. Meio angustiados, ficamos nos perguntando quem teria feito tamanha maldade na pobre ave, ou se aquilo aconteceu na luta pela sobrevivência com algum predador. Difícil imaginar, impossível saber como aquilo aconteceu. Ele chegou de repente no meio de nós, junto com tantos outros em revoada, claudicando ao pousar e tentar andar, mancando coitadinho mas ainda assim bicando o chão na busca do alimento disputado também por seus iguais cujo estado físico se mostrava normal. Ana, embora com dó do pobre serzinho mutilado mas querendo guardar em foto aquele acontecimento inusitado, mirava-o à procura do melhor ângulo enquanto ele saltitava desajeitado procurando migalhas para comer. Houve um instante, contudo, em que ele pareceu perceber a intenção dela e, fazendo inesperada pose, permitiu ser fotografado. Depois, já imortalizado na foto, juntou-se aos companheiros e saiu a voar escondendo o defeito na leveza de seu glorioso vôo. No solo ele claudicava, no espaço, reinava.

A pose do pobre pombinho sem a pata esquerda