quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

NA MADRUGADA DO NOVO ANO

As rodas da engrenagem se contorcem no esforço inumano de acoplagem para reiniciar a ilusão. É tudo absolutamente novo, vêm as surpresas, os sonhos começam a florescer, há sorrisos em botão despertando, os jardins do coração despertam e entram em devaneio. Abrem-se as portas de uma nova esperança, num lampejo tendemos a imaginar que recomeça a vida do zero. Pois eis o nascer outra vez do ano. As inúmeras luzes oriundas das explosões no céu, fugazes, tornaram-se apenas fumaça até que, finalmente, viraram nada. O clamor dos fogos quebrando o silêncio da madrugada já é história juntamente com os vivas e as aclamações e os abraços entremeados com beijos e afagos. Até mesmo a lua, que estava adormecida no último dia de 2007, acordou e, semivestida na sua camisola cor de âmbar, espreitou o barulho humano, os seus risos e suas gargalhadas sonoras. Se bem não desse muita bola para essas veleidades tão próprias desses terreáqueos festeiros, permaneceu lá no alto quase toda acesa e, embora ainda meio sonolenta, vagou por entre as nuvens e sobre o mar de Ponta Negra me dando a impressão, por instantes, de ter acenado displicente para a praia molhada pelas gordas ondas mar e, posso assegurar, até bocejou indiferente, um tanto lânguida eu diria. Ela decerto enxergou a multidão carregando cadeiras, mesas, farofa, espumantes, frangos assados, salgadinhos, refrigerantes, enfim, esse calhamaço de tranqueiras que muitos levam para a praia no último dia do ano para se empanturrar enquanto esperam o sol dar o ar de sua graça lá pela linha do horizonte acima do Atlântico. E, sem dúvida, deve ter rido bastante desse comportamento bizarro. Talvez, por ensurdecedor, ela também tenha escutado o alto e nada bom som que rolou nos quatro cantos da Terra em decibeis alarmantes. Estranhou, com certeza! E as calientes cenas, digamos, de amor e sexo protagonizadas por afoitos casais ali pelos cantos e recantos escuros das praias e das moitas noturnas? Ficou feia de ver, estou certo. Isso tudo acontecendo no contar dos minutos restantes e no iniciar da nova data. As ressacas, as brigas, os namoros desfeitos, os romances entabulados, as crianças geradas nesse pequeno intervalo, tudo isso jamais conheceremos por inteiro. Porque a noite, criança que é, na sua inocência cândida, fecha os olhos e dorme sem se importar com essas coisas características dos seres humanos. Prossegue a jornada dos homens, renovam-se os calendários, uns morrem outros nascem, vão e vêm há milhões e milhões de anos. Tudo parece tão igual, tão repetitivo! Mas, confessemos, é tão bom estar vivo e presenciar essas cenas da existência, não é?

Um comentário:

Arnaud Amorim disse...

Gilbamar,

Você pintou com muita maestria este quadro invulgar. Vi em cada pincelada , a complementação em todas as cores e nuances da noite de ano novo.
Excelente peça de inegável valor no seu acervo cultural.
Parabéns.

Arnaud Amorim