segunda-feira, 17 de março de 2008

ESSES INDIFERENTES


Primeiro, a longa espera. As duas mulheres já andadas em anos, tagare-las e indiferentes aos meus anseios, não demonstravam o menor interesse em desocupar as cadeiras na cafeteria para onde eu desejava ir com minha esposa com o fito de desfrutar de um café expresso carioca regado a tapioca recheada com queijo. Depois, a lentidão do tempo preguiçoso. E ficamos nós dois vagando o olhar para aqui e ali, vez por outra, de esguelha, pondo uma vista d'olhos nas duas mulheres encarapitadas nos dois lugares ambicionados por nós. As pessoas iam e vinham rindo, conversando, descontraídas, sentavam nalgum lugar da praça de alimentação do shopping e o relógio gotejava segundos. Havia outros comensais na cafeteria, bem sei, e para eles eu também jogava olhares ansiosos, mas no íntimo eu queria mesmo era aquele cantinho onde as duas mulheres se refestelavam e riam como adolescentes. Per-cebi que elas não estavam servidas e imaginei suas presenças ali como mero passatempo, com a impressão de que já haviam se regalado e estavam simplesmente jogando conversa fora e tomando o lugar de outros clientes. Ledo engano, porém, pois após um longo tempo a garçonete chegou com o pedido delas. Então soltei fumaça pelas narinas, absolutamente enraivecido e disposto a desistir do café expresso cari-oca. Não fora a minha esposa com sua doçura...
Lá pelas tantas, por fim, vimos as tagarelas saindo e corremos na direção delas antes que alguém mais se aboletasse nas cadeiras já supostamente à nossa disposição. Ufa, conseguimos. O local estava cheio de freqüentadores se deliciando com as iguarias oferecidas pelo estabelecimento. Percebi que as duas senhoras haviam deixado uma garrafa de água mineral de meio litro pela metade, num desperdício inesperado. Olhei em derredor sem imaginar que veria outras tantas pessoas desperdiçando comida, água e suco sem a menor cerimônia. Dois caras, sentados numa espécie de poltrona defronte a uma mesinha, foram os protagonistas subseqüentes do estrago. Bebiam, ou quase, suco de laranja e conversavam animadamente. Quando, mais tarde, tornei a passar uma vista d'olhos em derredor, vi-os deixando o local e os copos praticamente intocados quando a garçonete dirigiu-se à mesa. Notei que eles não tinham tomado nem dez por cento dos sucos.Ou seja, mais desperdícios e indiferença. Ainda nos deliciávamos com nossos petiscos quando uma jovem senhora, acompanhada de uma garota adolescente, ambas de boa aparência e denotando ter ótima posição social, se aproximaram. A garota empurrava um carrinho de bebê duplo, isto é, dois em um ocupado por lindos bebês. As mulheres riam descontraídas e felizes. A que, certamente, deveria ser a mãe das criancinhas, pediu uma imensa fatia de torta de chocolate e um copázio de café para si e nada para a outra. Toda afetada, bebendo o café como se a xícara contivesse ouro em pó, mordiscava míseros pedacinhos da torta parecendo abusada, enfarada, enquanto trocava palavras risonhas com a sua acompanhante, esta também toda alegrinha e alheia à guloseima meio desprezada por aquela. O mais interessante é que somente a mãe dos pequeninos comia e bebia, a garota parecia ser somente alguém desprezível que não merecia ser convidada. Ou, então, não queria comer nada mesmo. Mas concluí, mais tarde, o café bebericado apenas pouco além de um quarto do seu todo e o doce não mais que cinco por cento, que haveria novo desperdício naquela cafeteria. Não deu outra! Com a maior cara de pau, envolvida no converseiro com a garota, rindo e brincando, a mulher estalou os dedos para a garçonete, pediu a conta, esperou sem tocar nos alimentos pedidos, olhou o valor pouco depois, pagou e deixou o troco para sua atendente e, sem lançar qualquer olhar de arrependimento pelo desperdício nem oferecê-lo até mesmo por cortesia a garota que estava com ela, saiu toda serelepe pela praça de alimentação do shopping adentro e desapareceu. A generosa fatia de torta chegou às mãos da garçonete e foi jogada no depósito de lixo estrategicamente colocada nos arredores da cafeteria.
E eu, comendo devagarzinho minha tapioca recheada com queijo e sorvendo um cafezinho expresso, fiquei pensando quantas pessoas no mundo se submeteriam a qualquer coisa, por mais torturante que fosse, para comer aquele pedaço de torta, tomar o suco de laranja e tomar a água mineral deixados com desprezo em cima da mesa, quase intocados, por essas criaturas insensíveis ao outro lado da moeda social tão próximo delas. Por que tanta indiferença, tanto desperdício, tanto desprezo ao pão e ao povão?

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