quarta-feira, 2 de abril de 2008

COISAS DO TEMPO - I

Quando fiz o concurso a nível nacional do Banco do Brasil, em 1970, éramos os da minha geração uma turma de sonhadores querendo vencer na vida, desejando conquistar um porvir brilhante. Interiorano, lá das inconfundíveis paragens mossoroenses, onde os jornais do sul chegavam com alguns dias de atraso(tinha ânsias de conhecer e ler todas as páginas dos jornais Folha de São Paulo e o Globo, mas para conseguir esses jornais havia que alguém ir a Fortaleza, no Ceará ou outros centros mais adiantados) e cujo mercado de trabalho à época nos fazia desejar fugir para outras plagas mais desenvolvidas com o fito de conseguir melhor fatia da renda nacional, a notícia do concurso no deixou fervilhando de alegria. Eu estudava o último período do primeiro grau, o que chamávamos, então, de científico, à noite no Colégio Estadual e trabalhava com um tio meu numa lojinha de confecções e móveis instalada no centro da cidade. Bem antes de começarem as inscrições no concurso, os mais abastados se matricularam imediatamente em cursinhos visando preparar-se com antecipação, e eu, sem condições nem tempo para tanto, procurava estudar as matérias do certame quando voltava das aulas lá pelas dez da noite ou nos seus intervalos. Sentia especial dificuldade com relação à matemática, mormente quando o assunto eram as taxas de juros, juros simples e compostos entre outras complexidades da matéria. A juventude desse tempo de outrora, naquele transe novidadesco quase hiponótico porque passávamos quando tivemos conhecimento do concurso só falava a respeito do tema Banco do Brasil e a maioria estudava com afinco, trocava idéia sobre os estudos, reunia-se para debater detalhes da gramática, enveredava pelos assuntos do conhecimento geral e discutia entre si os intrincados segredos dos cálculos matemáticos. Todos nós queríamos ser aprovados, é lógico, e sonhávamos com isso diariamente.
Embora trabalhasse duro o dia inteiro, o parco salário que recebia na lojinha mal dava para sustentar meus pequenos sonhos. Como a inscrição no concurso exigia o pagamento de uma taxa, e no exato dia em que começou a corrida ao banco com essa finalidade eu estava desprevenido de recursos, meu cunhado veio em meu socorro e forneceu-me o valor necessário para o objetivo: Cr$ 10,00(dez cruzeiros). Nesse passar do tempo, com o correr dos dias, aproximando-se a hora da onça beber água, percebi que precisava dedicar-me mais ao estudo e juntei-me a uns amigos que assistiam às aulas aos sábados e aos domingos, ministradas por professores de português e de matemática. Um detalhe interessante: o nosso professor de português também faria o concurso do BB, e aproveitava para ganhar um dinheiro extra enquanto esperava o dia das provas. O esforço que todos fazíamos para alcançar a graça de ser aprovado num concurso de tal categoria era realmente quase além de nossas forças. Afinal de contas trabalhar no Banco do Brasil era o sonho acalentado por todos, inclusive pelos nascidos em berço de ouro. Ser aprovado em seus concursos era garantir o futuro e uma aposentadoria bem remunerada e com qualidade de vida. As provas aconteceram no dia 10 de outubro de 1970, um domingo, no Colégio Diocesano Santa Luzia(meu sonho inalcançável de estudante humilde – naquele colégio destinado aos de boa condição financeira seria a primeira vez que eu entraria). Pressurosa e preocupada com minha saúde, mamãe preparou uma espécie de banquete para o meu café da manhã nunca antes degustado por mim: passou ovos, fez tapioca, amanteigou o pão e preparou um delicioso café-com-leite de primeira para que eu agüentasse o tranco das difíceis provas sem comer, depois do desjejum, das seis horas da manhã até o meio dia. Eu residia a uns dois quilômetros do mencionado colégio, e para chegar até lá a pé tive que sair de casa às seis da matina, após o banho demorado, a loção passada, a melhor roupa vestida e o lauto(assim pareceu-me) café da manhã tomado. Era um lindo dia de muito sol(para variar em Mossoró, rsrsrs) e a cidade apresentava um rebuliço diferente de gente apressada a pé, de bicicleta e de carro seguindo na direção do sonho de ser alguém no cenário da vida, de tornar-se empregado da instituição financeira mais rica do País. Meu coração batia no peito com a intensidade de um tambor sendo espancado no ritmo enlouquecido dos carnavais, mas era de otimismo e determinação, e eu estava alegre, meus olhos brilhavam e eu sentia uma estranha paz percorrendo-me a alma como se carícias de uma bela mulher. Caminhava, naquele dia histórico de minha existência juvenil, para enfrentar espartana luta ao lado de milhares de outros com o intuito de ultrapassar a fronteira da pasmaceira profissional em que me encontrava e lograr ser vitorioso para começar uma nova vida
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Um comentário:

Marcos Mairton disse...

Caro Gilbamar,

sei bem do que você fala, pois fiz muitos concursos em minha vida, o primeiro, antes de fazer quatorze anos, para trabalhar como bancário aprendiz no Banco do Nordeste do Brail. Vendo aquele mar de concorrentes, em sua agitação juvenil, pensava comigo: é muita pretensão acreditar que dos trinta escolhidos eu serei um. Fui. Depois soube que haviam concorrido aproximadamente 3.300 jovens. Fiquei em 25º lugar. Por 18 anos trabalhei no BNB e lá aprendi muito sobre bancos, sobre o Brasil e sobre a vida.
Sua crônica me deixou nostálgico...