terça-feira, 24 de junho de 2008

CASO DE AMOR EM CORDEL

Muitas vezes as emoções
surgem assim, repentinas,
totalmente inesperadas
e nos arrastam da rotina
revelando que na vida
cada qual teu sua sina
*
Sou desses observadores
que vêm na curiosidade
dos feitos do ser humano
uma rica novidade
que pode servir de mote
com muita intensidade
*
Eu falo dessa maneira
porque pretendo relatar
um desses casos de paixão
que não é nada de espantar
mas se eu me interessei
penso que vocês vão gostar
*
Estava eu numa praça
sob uma árvore frondosa
olhando o vai-e-vém do povo
segurando uma rosa
apenas me distraindo
procurando uma glosa
*
Aí foi, então, que avistei
um casal de namorados
apenas adolescentes
lado a lado, encabulados,
conversando displicentes
um com o outro fascinado
*
Ela era muito linda
tinha o cabelo dourado,
de modelo o belo corpo,
carnudo lábio pintado
e um olhar com tal doçura
que me deixou encantado
*
Usava farda escolar
e caminhava lentamente,
braços cruzados no peito
com os livros, indolente,
se mostrava muito séria
mas parecia contente
*
Seu provável namorado
ia feliz caminhando
as mãos no bolso, sem jeito,
talvez até assobiando
aos meus olhos parecendo
galo de briga ciscando
*
E lá se iam aqueles dois
no seu namoro inocente
como cândidos pombinhos
passando na minha frente
quando algo aconteceu
nada mais que de repente
*
Já ia deixá-los em paz
com meu olhar penetrante
e dar atenção para a rosa
quando bem lá adiante,
eu cedo pude perceber,
deu-se um fato interessante
*
Os dois ficaram de frente
um para o outro, se olhando,
ela se mostrando irada
mas ele balbuciando
algo muito delicado
que não estava agradando
*
A cena, nada romântica,
que lá se desenrrolava
é claro, me chamou a atenção,
por essa eu não esperava:
um súbito desencontro
que o amor atrapalhava
*
Rápido, esqueci a rosa,
a eles fiquei bem atento
e pelo olhar da garota
pude saber seu intento
eu acho que ela falava:
algo como: "seu nojento!
*
"Ah! se eu pudesse ouvir
as frases pronunciadas,
se conseguisse entender
suas vozes alteradas,
seria bom presenciar
as emoções desencontradas
*
É claro que nada escutei
só via lábios se movendo,
ele de cabeça baixa,
ela os quadris mexendo,
aí então, súbitamente,
ela se foi quase correndo
*
Ficou lá o jovem, parado,
só Deus sabe o que sentia
ele deveras nadava
numa grande agonia
perdido em pensamentos
não sabia o que queria
*
Mas em pouco, cabisbaixo,
ele deu meia volta e saiu
andando devagarinho
como se entrasse num funil
com certeza querendo voltar
contudo se foi, desistiu
*
Cada um seguiu seu rumo,
então caso encerrado
pelo menos assim pensei
deixando os dois de lado,
mas um minutinho depois
eu fiquei embasbacado
*
Quando desviei meu olhar
dos garotos apaixonados
voltei-me todo p'ra rosa
olhos quase marejados
do amor tendo bebido
e ficado embriagado
*
Só que aquele romance
declinou de seu desejo,
tornou-se poeira fina
sem ter havido um beijo
desaparecendo tão cedo
no auge do seu ensejo
*
Mas eu estava enganado
nem tudo que reluz é ouro,
às vezes uma palavra
nos faz perder um tesouro
e por causa de uma frase
podemos cair no choro
*
Estranha coincidência
ou por razões do destino
puseram meus olhos no casal
que findou em desatino,
então fui surpreendido
com lindos sons de violino
*
Não tinha música nenhuma,
é tudo só minha invenção,
mas senti vibrar meu corpo
com o derreter do coração,
aconteceu novamente
eu me encher de emoção
*
Meu coração palpitava
com a cena em andamento
eu me emocionava
com dos dois o movimento:
feito bonecos pararam,
chamava-os o sentimento
*
Sabemos que marionetes
são por homens controladas
e obedecem a seu manejo,
mexem ou ficam paradas
assim pareciam os dois
tal figuras comandadas
*
A um só tempo viraram
na procura do seu amor,
estavam desesperados
sob forte apelo da dor
assim, em câmara lenta,
correram com todo ardor
*
Um na direção do outro,
os braços entreabertos,
dos olhos descendo lágrimas,
o bálsamo ali, tão perto,
à guisa de casal perdido
nas entranhas do deserto
*
No limiar do reencontro
fizeram súbita parada
se olharam tão profundo
que o mundo virou um nada
a seguir se abraçaram
numa paz acalentada
*
Ficaram um tempo assim
esquecidos do instante,
pois o mundo para eles
era algo bem distante
estavam de novo juntos,
só isso era importante
*
Eu fiquei tão comovido
às lágrimas quase indo,
que tive forte impressão
de música estar ouvindo,
talvez o bolero de Ravel
seus lindos toques fluindo
*
Deixei a rosa cair ao chão
sem nem mesmo perceber,
curvei-me para pegá-la
não querendo ficar sem ver
o belíssimo final feliz
mas um susto me fez perder
*
Uma linda borboleta
voando toda safada
bateu asas no meu rosto
e me atrapalhou, a danada,
daí logo a cena do beijo
foi totalmente negada
*
Quando os vi novamente
de mãos dadas já se iam
os jovens enamorados
realmente se queriam,
a linda cena há tanto tempo
estes meus olhos não viam.

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