quarta-feira, 10 de setembro de 2008

CRÔNICA DE UMA VIAGEM - Parte 6

Eu e Ana a bordo do avião rumo a Porto Alegre, partindo de Brasília


Passava das quatro horas da tarde quando saímos de Porto Alegre com destino a Gramado. Objetivando apreciar a paisagem sempre muito linda das serras e as pequenas cidades por onde passaríamos, eu e Ana nos acomodamos nas cadeiras da frente com o motorista. Uma senhora já bastante andada em anos arrevesou o sobrolho na nossa direção porque também pretendia fazer o trajeto no mesmo lugar onde estávamos, enfurecendo-se por não encontrar o espaço devidamente à sua espera. Talvez achasse que tinha mais direito a isso que qualquer outro e ninguém poderia se interpor entre seus desejos e a consecução imediata deles. Não que ela tivesse alardeado tal assertiva, nada disso, mas ficou indubitavelmente perceptível em seu semblante toda essa emoção a ponto de o ar tornar-se rarefeito com seu olhar atravessado. Rimos dela feito meninos sapecas culpados por pregarem em alguém, às escondidas, alguma singela peça inconseqüente.E lá fomos nós, então, pelas ruas de Porto Alegre descortinando novas paragens e outras já velhas conhecidas de tantas oportunidades mais em tempos idos pisando aquele solo gaúcho. A tarde exibia o sol ardente refletindo em nossas pupilas e obrigando-nos a usar óculos escuros, e o céu límpido, sem nuvens, desenhava o espaço de índigo como um mar suspenso na Via Láctea. Algumas cidades ficavam para trás à nossa passagem, pequenas localidades cujos nomes não guardei tamanha a vontade de por logo os pés nas artérias limpas de Gramado. Meu coração disparava de tanta expectativa e inusitada agitação sonhadora. Eis que novamente voltávamos à região onde a natureza fora bem mais benevolente que no meu sofrido Nordeste escaldante das caatingas tristes, do clima torturante, das secas provocadoras de desgraças e abandonos. No Sul a maravilha, o encanto, as chuvas em abundância, as plantas verdinhas e viçosas; no Nordeste a terra ressecada, as chuvinhas de verão em doses homeopáticas e pobrezinhas, a flora queimada pela inclemência dos raios solares. Diferenças acentuadas pela indiferença dos políticos com um solo tão rico de petróleo e capaz de produzir frutas tropicais para abastecer o mundo todo, entre outras inúmeras riquezas, como o Nordeste. Onde não existe falta d'agua porque seu subsolo é um oceano a ser perfurado, mas descaso, simplesmente isso. Dá gosto dirigir pelas estradas que levam a Gramado. Atapetadas como veludo, sem buracos, bem sinalizadas, esse inolvidável primor próprio dos que amam a terra em que vivem. E por elas vamos deslizando sem encontrar nem mesmo o menor, o mais ínfimo pedacinho de pedra no caminho, tudo se mostrando lisinho, plano e bem cuidado. Um espetáculo do bem público administrado ao toque de carinho e dedicação. Embora sonolento devido a noite mal dormida no hotel mal cuidado e ainda naquele momento prosseguindo a viagem cheio de cansaço, o brilho do sol cuidando para intensificar o desejo de fechar os olhos e cochilar, não pude deixar de reparar esse expressivo zelo com as rodovias do Rio Grande do Sul, pelo menos por onde circulei. Grande exemplo a ser conhecido e seguido Brasil afora.

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