domingo, 28 de setembro de 2008

O NINHO DA ROLINHA


Certo dia, muitos anos atrás, resolvi por abaixo a velha e já perigosamente descomunal algarobeira nascida, ou plantada por alguém, no lado esquerdo do quintal, à entrada de minha casa, e à época debruçada sobre o muro como se repousando do cansaço dos anos. Percebi que a velha árvore alcançava proporções assustadoras e suas raízes começavam a espalhar-se sob o piso da garagem, talvez até mesmo ameaçando a estrutura do imóvel. Era ela ou a casa, meu coração titubeou, porém a escolha, é evidente, se tornava uma covardia porque eu não hesitaria em optar pelo teto de minha família, bem dá para imaginar.


Contudo, e isso só vim a tomar conhecimento um pouco antes de decidir pela imediata remoção da árvore, eu soube, entristecido, que a planta se tornara o lar de uma avoante. O ninho daquela rolinha estava localizado bem escondidinho por entre um denso amontoado de galhos e folhas, quase impossível de ser visto. Pela manhã ela saía em busca de alimentos e voltava somente à tardinha já para o aconchego noturno. Numa de suas saídas aproveitei para verificar se havia ovos ou filhotes, e não, não havia. Puxa, respirei profundamente aliviado! Não sei se conseguiria conciliar o sono ou me olhar no espelho se despejasse de maneira abrupta pequeninos seres inocentes sem mais aquela.


Sim, teoricamente o sossego de minha família estava em jogo, mas a fauna também merece o mesmo respeito e cuidado, algo poderia e deveria ser feito caso o ninho estivesse ocupado também por inocentes filhotinhos. Nada melhor do que uma idéia simples, bastaria esperar um tempinho mais para que as aves crescessem, aprendessem a voar com a mãe e tomassem seu rumo em busca de novos horizontes como sói acontecer normalmente na fase adulta. Mas, como não precisava ficar preocupado com esse detalhe e considerando meu temor ante as ousadas raízes penetrando alicerce abaixo, bem como a possibilidade de uma avaria inesperada na casa, pensei por bem salvar o meu ninho, pois o da rolinha poderia ser refeito em alguma outra árvore nas imediações, ora pois! Na manhã desse dia em que a árvore seria arrancada pela raia - principalmente! -por coincidência avistei a rolinha saindo para seu labor cotidiano. Ela voou até o fio de alta tensão da rua, onde permaneceu por instantes, deu umas bicocoçadelas sob as asas, sacudiu-se toda como a espriguiçar-se e se foi.

Foram necessários dois sujeitos fortes e dispostos para o pesado encargo. Eles trabalharam praticamente o dia inteiro cortando, dando destino aos restos mortais da árvore e fazendo a devida limpeza pós tarefa árdua, o que às vezes é mais trabalhoso ainda. Efetuado o serviço, lá por volta das dezessete horas, paguei o valor combinado e fiquei a ver como tinha ficado o ambiente depois de tudo.

As raízes se foram e não haveria mais a iminência de algum problema sério na casa, o muro certamente não cairia porque o peso sobre ele desaparecera, e tudo parecia estar muito bem até que, súbito, tornei a ver a rolinha. Arrepiei-me todo! Agora, tanto tempo já decorrido, é-me quase impossível descrever seu comportamento tamanho o desespero que a arrebatava. Ela voava em círculo, subia, descia, voluteava, entrava em parafuso, dava vôos rasantes, tremulava no ar como os helicópteros, pousava aflita no muro e balançava a cabecinha de um lado para o outro, para o céu, para o chão, ciscava na aspereza do cimento degradado, tornava a voar...enlouquecida, doida varrida, invadida pelo horror do pânico, alucinada, louca, louca... se tivesse cabelos e mãos com certeza os arrancaria angustiada com a brutalidade da agônica dor que a acometia.

Minha cabeça zumbia como se milhares de abelhas corroessem-me o cérebro, meus olhos acompanhavam a avezinha com a mesma rapidez de seus deslocamentos desencontrados, e no auge desse interlúdio eu pude entender a razão daquele comportamento insano: ela procurava seu ninho desaparecido e não tinha como compreender as razões que o fizeram sumir juntamente com a grande árvore se ao amanhecer tudo estava lá... como, em tão pouco tempo a, aos seus olhos, gigantesca planta deixara de existir levando consigo o seu ninho? Como? Não resisti, fui para o meu quarto e chorei.
Imagem:gif da net

5 comentários:

elisabete fialho disse...

Um texto amoroso, sensivel que roça a fronteira de um trinado
Parabéns
Aquele abraço
Ahhhh já esquecia, obrigado pelo seu comentário respeitoso pelo meu momento

Unknown disse...

Sua crônica desperta em nós aquele sentimento de zelo para com a vida, tanto de sua família quanto da fauna. Parabéns, seu blog é lindo e poético.

Bjuuus meu amor!

Joice Worm disse...

Gil, apesar do último convite ao blog ter sido para outro post, não pude deixar de ler os anteriores àquele, e me deparei com o passarinho a voar de um lado para o outro.
Adorei sua crónica. Não só por ser um relato verídico, mas pela forma como você falou do seu sentimento e pela moral da história.
Muito bem, Gil! Este texto, devia ser lido por mais pessoas. Se me autorizas, queira fazer um lnck no meu Blog para este texto... Posso??
Um abraço, amigo!

Gilbamar disse...

Minha amiga Joice,

O meu blog está sempre à disposição dos amigos de todos os lugares, e o prazer é sempre meu que leiam, caso gostem, todos os post novos e antigos. Aliás, faço questão disso, a honra é minha. Obrigado por ter gostado da crônica. Tem muitas no blog e você está convidada a ler todas, inclusive meus cordéis e trovas. Quanto a fazer um link no seu blog da crônica sobre a rolinha, é claro que autorizo e me sinto honrado e envaidecido com seu pedido. Pode fazer o link sim, inclusive de outras crônicas se delas gostar. Ah!, me avise quando o tiver feito. Obrigado!

Grande abraço fraterno do amigo Gilbamar

Anônimo disse...

texto muito desnso e rico, nos remete a várias reflexões sobre a vida e das tantas e quantas vezes somos obrigados a fazer opções. para salvar a sua casa, perdeu-se outra casa. mas, a compreensão deste ciclo é essencial para que possamos preservar a vida. bela e sensível crônica. meu abraço.