sábado, 17 de janeiro de 2009

OS LIVROS DA MINHA INFÂNCIA

A amiga Giane, do blog Alfarrabium, indicou-me para rememorar os livros de minha infância, e eu fiquei muito feliz por ter sido escolhido porque na minha meninice também li muito, desde os gibis de capa e espada até as obras de Humberto de Campos. Como eu já tinha, há algum tempo, escrito a crônica abaixo tratando justamente desse interessante assunto, resolvi republicá-la cumprindo minha parte no desafio proposto.

Fui menino sonhador a pensar continuamente sobre o futuro que viria. Igual a outras crianças, eu também gostava de brincar com o pião, jogava bola, apreciava contar as mentirosas estória de Trancoso juntamente com os demais meninos da rua, no entanto mais que tudo isso eu, sobretudo, lia e lia muito, em especial – quem se lembra? – aquelas revistas de capa-e-espada que contavam mirabolantes estórias de reinos, princesas lindas e hábeis cavalheiros a defendê-las com suas espadas afiadas, flamejantes e implacáveis. Por horas em me entretinha folheando qualquer texto que me caísse às mãos, não recusando nem mesmo as bulas quando nada mais havia para ler. Se um exemplar da revista O Cruzeiro, para meu deleite, aparecia à minha frente, ávido eu apreciava cada página e deixava a imaginação voar livremente pelo universo dos sonhos com a sabedoria dos articulistas, mormente Davi Nasser e Raquel de Queiroz, esta sempre na última página com seus textos vigorosos. O amigo da onça, famosa criação da época, lavra do pernambucano Péricles Maranhão, também era um dos meus preferidos pela sagacidade de suas tiradas mordazes. Eu descobria o novo e o insólito e ia armazenando nos arquivos da memória aquele benfazejo amontoado de cultura diversificada. As revistinhas em quadrinhos do Zorro, Roy Rogers, Tarzan, Jim das Selvas, Fantasma, Pato Donald e tantas outras fizeram o usufruto de meus instantes solitários.
Sentado no velho e já bastante gasto sofá de três lugares de minha mãe, os olhos tesos, sem piscar pela atenta observação das letras formando palavras e capítulos, eu esquecia as horas e, quase sempre, nem lembrava de brincar ou de me alimentar até ouvir as admoestações de mamãe a respeito “da perda de tempo só lendo e lendo sem querer fazer outra coisa, esse menino...”

Na adolescência, seguindo esse ritmo acelerado de intensa busca pelo prazer encontrado nos livros, meu coração já pulsando descontrolado pelas garotas bonitas do bairro por quem eu ia me apaixonando, dedicava com avidez a maior parte do meu tempo à leitura, desta feita ampliando os horizontes do conhecimento com compêndios de autores mais voltados a um universo textual de melhor qualidade. De Machado de Assis li os romances A mão e a Luva, Dom Casmurro, Esaú e Jacó, Memórias Póstumas de Brás Cubas e Iaiá Garcia, além de algumas poesias de rara beleza, a exemplo de Crisálidas e Falenas; José de Alencar me deslumbrou com Iracema, a virgem dos lábios de mel, O Guarani, A pata da Gazela, Cinco Minutos, Diva e outros romances. Viajei através do Romantismo e do Barroco, passeei pela beleza dos escritores portugueses e mergulhei, enfim, no mundo universal dos grandes clássicos, com passagens por outras searas como os grandes poetas brasileiros, russos e ingleses. Assustei-me com A Divina Comédia, de Dante, fiquei perplexo com os absurdos, a meu ver, percebidos em O Príncipe, de Maquiavel; estremeci ao ler Fausto e Werther, de Goethe; quase chorei com o brilhantismo das cenas descritas no livro A Mãe, de Máximo Gorky; e então, certo dia alguém me emprestou um dos livros mais densos e emocionantes que os meus olhos jamais viram: Os Irmãos Karamázov, de Fiodor Mikháilovitch Dostoievski, de quem também li e reli, deslumbrado, Crime e Castigo. Foram grandes obras verdadeiramente inesquecíveis que marcaram minha alma.

De certa feita, adoentado e febril, deitado numa rede e devidamente enrolado num lençol grosso para suar depois de um chá de limão com alho, contrabandeei para sob as cobertas um exemplar de O Velho e o Mar, de Ernest Hemingway, devorando-o inteirinho de uma só “deitada”, e desse momento em diante não sosseguei mais enquanto não li Por quem os Sinos Dobram e Adeus às Armas, do velho escritor que deu fim à própria vida enfiando o cano de uma espingarda na boca e disparando, num gesto tresloucado e incompreensível. De Fernando Sabino, o primeiro livro foi O Homem Nu, os demais vieram em cascata, da mesma forma com Carlos Drummond, Guimarães Rosa( Grande Sertão, veredas, o destaque maior!), depois Gabriel Garcia Márquez( Cem anos de Solidão é insuperável e inteligente; O amor nos tempos do cólera, igualmente), Graciliano Ramos(Vidas Secas, que maravilha exemplar de literatura primorosa; Angústia; Memórias do Cárcere, entre outros, todos belíssimos). Eu lia tudo quase em desespero, parecendo alguém famélico que enxergava um banquete diante de si e se lambuzava todo com a farra da comilança. Então, um dia, meio que de súbito, caiu-me às mãos o livro Crítica da Razão Pura, de Imanuel Kant. Embora não conseguindo alcançar por inteiro o conteúdo da famosa obra, algo ficou para desembaralhar os fragmentos de minhas idéias e resultar nalgum empirismo meio torto de meus despretensiosos textos.

Sem dúvida, os livros, companheiros fiéis e constantes de minha vida até hoje, têm trazido à realidade do meu cotidiano indizíveis prazeres que somente o espírito sente e conserva para sempre.

20 comentários:

Christi... disse...

Que lindo seu texto e descrição de infância com os livros, emocionante ver a linha do caminho literário que de pequeno já se traçava em sua vida.
os pequenos sinais de um grande escritor.

Um lindo final de semana pra ti querido.

Unknown disse...

hola querido gilbamar!!!!!

estupendo relato sobre tu infancia y adolescencia......
se nota que los libros que has leído en esa etapa de tu vida, te han marcado para siempre y te han ayudado a ser un excelente escritor!!

felicitaciones!!
un abrazo

Marysol Salval disse...

Benditos libros que nos acompañan y que nos abren nuevos mundos y nuevas vidas.
Hermosas vivencias que nos compartes y me place poder leerlas.
Como siempre con cariño, te dejo un abrazo

Anônimo disse...

Na verdade está bem patente no seu gosto pela leitura,o percurso q.iria seguir.
Gostei muito.
Aliás admiro a sua forma de escrever.
Abraço.
isa.

elisabete fialho disse...

Sempre digo que somos um pouco do fruto dos poetas que se cruzaram no nosso caminho
Por acredito ser tão importante que na falta de poder dar um livro a uma criança contar uma história pode fazer toda a diferença um dia quando já adulto
Um abraço de carinho ai para sua casa caro amigo

Caperucita disse...

Comparto ese gran placer de la lectura.
Cuantas emociones y vivencias a través de los libros.
Buen fin de semana y besos.

•.¸¸.ஐJenny Shecter disse...

Nossaaaaaaaaaaaaaaaa!
Esplêndido!
*-*
Grandes escritores percorrem suas memórias...
beijos e borboleteios

Laura disse...

Olá. Nem mais! Foram os livros que fizeram de mim a pessoa que sou... Inteligente, lá por ser surda, não, não fiquei analfabeta, li, reli, estudei, lia de jornais a livritos que papai comprava, lia no calor das tardes da aldeia e enrolava um lençol por cima da cabeça e braços e numa mesa, sentada, lia e relia livros das estantes da casa dos avós, e de noite (ainda não havia luz eléctrica na altura) lia à luz das velas, e o avô lá vinha dar-me o beijinho de boa noite (mas que bem que sabia) e dizia; filha, apaga a luz que faz a vista cansar, e eu lá obedecia...mas mal o dia nascia e acordava, já estava vidrada nos livros...Bons e queridos amigos, os livros.. Beijinho da laura.

Ava disse...

Olá!
Cheguei aqui como uma estranha...invadindo seu espaço...rs
Mas agora, após ler e reler seu texto, já me sinto íntima...
Intíma, porque trazemos em nossas bagagens, itens identicos...rs
Quantos livros em comum, saboreamos em nossa infancia e adolecencia e até já adulta...!
Sua lista pare ser a minha lista...rs
E até hoje carrego comigo essa "fome" de leitura... de livros...
Não sei ler calmamente... me lambuzo toda também... passo a noite inteira... não sei esperar...
Não consigo marcar uma página, para continuar depois...nunca! quero tudo de uma vez... com a mesma impaciencia de juventude...rs
Desculpa o comentário longo, é que me empolguei com seu texto!
Me trouxe a lembrança tantas historias...Tantas vidas vividas atravez dos livros!


Beijos avassaladores!

Cleo disse...

Gilbamar, através da leitura do teu texto voltei à minha infância e adolescência também. Como era bom devorar estes livros e depois ficar relendo-os mentalmente. Eu também li muitas dessas obras e mantenho até hoje o gosto pela leitura. (Quem aprendeu a ler, não sente solidão). Uma bela viagem por um tempo mágico. lindo.
Beijos carinhosos e um feliz domingo.
Cleo

Giane disse...

Querido Gilbamar;

Maravilhoso tê-lo desafiado e assim tomar conhecimento pelo seu (bom)gosto pela leitura.

Agradeço sua participação e desejo a você e a Ana um bom domingo!

Beijos mil!!!

Myriam disse...

Que mejor companiero de andanzas que ......un libro bajo el brazo?

.......un libro leido?

.......Un libro compartido?

Cuantos aprendizajes, cuantos recuerdos y que lindo que lo puedieras compartir con nosotros!

Un abrazo

Eu disse...

Adorei a forma como a narração foi se desenrolando num relato tão bom de ler sobre a sua infância... ler é algo sublime...amplia os horizontes.

Tenha uma bela semana!

Um abraço carinhoso

FERNANDA-ASTROFLAX disse...

QUERIDO GILBAMAR, MARAVILHOSO LER-TE E RELER-TE... ADOREI ACOMPANHAR A TUA INFÂNCIA, EU TAMBÉM ERA UMA DEVORADORA DE LIVROS... BOM DOMINGO E UM ABRAÇO DE CARINHO E TERNURA,
FERNANDINHA

Val Du disse...

Que maravilha!
Para escrever assim dessa maneira tão linda: só mesmo tendo trilhado o caminho dos livros. Assim você pôde deixar brotar o seu talento de escritor e encantador de palavras.
Muitos vivas para você.

Beijos.

Menina do Rio disse...

Os livros são amigos, professores, companheiros de viagens... Aprendi mais com eles que com pessoas!

um beijo pra ti e obrigada pelo carinho

Unknown disse...

Querido amor, tem um lindo selinho para vc no meu blog.


Um beijo.

Gabiprog disse...

Los libros son amigos, de esos que pueden estar lejor, pero su recuerdo reconforta.

Un abrazo

Raquel El-Bachá disse...

Adorei o texto. Quando criança gostava de histórias em quadrinhos também. Na adolescência li muito Machado de Assis, José de Alencar e outros autores clássicos da literatura brasileira. Era apaixonada pela matéria no colégio e devorava todos os livros e textos indicados. Quando gostava de um autor lia mais livros dele.
Beijos.

À PÉ ATÉ ENCONTRAR disse...

Oláa!!
Muito lindo o seu texto!!
Grandinho, porém, gostoso de ler, adoro histórias ou mesmo fragmentos que remetem aos tempos de infância, nosso bem tão precioso!!
Que bom que começou cedo tuas andanças pelo vasto mundo da leitura!!
Abraço amigo!!
Desejo-te um feliz 2009!