segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

BEIJOS DE LÍNGUA


À espera pela chegada do trem que nos levaria de Estocolmo para Malmo, sob um frio de gelar a própria alma, ficávamos a observar as figuras humanas e seus trejeitos especiais, a maneira como sorriam, as malas que carregavam, o ar de silêncio presente em muitos, os animais que consigo levavam, pois existe um vagão especial para donos de animais de estimação e seus bichinhos se acomodarem. Um casal jovem e elegante, ela muito bem vestida com seu casaco charmoso, ele usando desenvolto sobretudo e levando nos braços, num aconchego carinhosamente especial, o seu cãozinho, prendeu-me a atenção pela maneira extremamente maternal com que cuidavam deste. Os olhares de ambos, pejados de amor, não desgrudavam do amado pet, a mulher afagando-o a todo instante, pressurosa, atenciosa, gentil, mãezona, e o safadinho do bem cuidado animal, sabendo-se alfa e rei da casa e manda-chuva do casal, quase chegava a ronronar de tão dengoso. 

Só fui vê-los novamente já no interior do trem, no assento bem ao lado do nosso, pois sem perceber eu e minha esposa nos instalamos justamente no local destinado a pessoas com seus estimados bichinhos.
Havia à nossa frente um senhor enorme, alto e rechonchudo, é bem verdade, retirando dum saco algo semelhante ao espetinho brasileiro, o qual ele vorazmente devorou, porém minha toda atenção se fixou mesmo foi no casal e seu filhinho, isto é, seu cãozinho. É que em determinado momento da viagem o acompanhante da mulher entregou-lhe o animal e ela o aconchegou em seu imaculado colo, mimo especial provavelmente dedicado só para ele. Não demorou muito e o cachorrinho começou lânguidamente a lamber o rosto e, como se dono do galinheiro fosse, os lábios dela. Carinhosa e amorosamente. A mulher só faltava subir as paredes de tão feliz, e em determinado intervalo das lambidas ela abriu a boca e puxou a língua dele, beijando-o com beijos novelescos, cinematográficos, depois passou também a lamber o focinho ele, os dentes, os olhos, o pescoço... temi que descesse além do limite suportável, mas graças a Deus parou somente nas imediações.

Sério, achei aquilo bastante exagerado, uma desfaçatez, falta de higiene, asqueroso até, principalmente a coisa me impressionou ainda mais porque o namorado ou marido dela via tudo aquilo sorrindo satisfeito, em verdadeiro êxtase. Por fim, quando a mulher cansou ou talvez estivesse na mais serena paz do nirvana em seu apogeu, entregou o filhinho, digo, o cãozinho a ele e vi, horrorizado, o cara repetir a mesma cena protagonizada por ela. Beijou beijo de língua, abraçou-se ao animal, embalou-o, mimou-o e o encheu de dengos, agora sendo observado atentamente pela mulher em estado de expressa felicidade. Quando se sentiu completo, embrulhou o bichinho em seu próprio corpo e o fez dormir.

Fiquei com torcicolo de tanto assistir à cena, e perplexo, abobalhado, sem entender a razão daquela repentina explosão de amor. Somente o cãozinho percebeu minha indiscrição, contudo ele olhava para mim como se zombasse de meu interesse, talvez a imaginar que eu estivesse com inveja dele e quisesse estar em seu lugar, sabe lá o que esses bichos pensam! Minha esposa também viu tudo, atônita, surpreendida, não conseguindo entender tudo aquilo. Uma mulher sentada na cadeira em frente às deles fingiu dormir, creio, para não ser partícipe testemunhal da inesperada cena de filme. E, mesmo observada com especial atenção pelo bichinho de estimação do casal, minha esposa ousou discretamente tentar fotografar o cachorro e o viu abrir desmesurado os olhos, como a ameaçá-la com um súbito exibir dos enormes dentes. Pensou melhor, guardou a máquina fotográfica e fez de contas que não estava vendo nada.

Um comentário:

Anônimo disse...

Continuo encantada a ler os seus maravilhosos escritos que relatam
momentos especiais,diferentes,vividos pelos meus amigos.
Gosto mt de animais,principalmente de cães e cavalos,mas respeito-os e trato-os como animais que são.Nem comer à mesa,nem beijos,nem nada.
Apesar de ter sorrido senti-me um pouco enojada...
Beijo.
isa.