segunda-feira, 23 de julho de 2007

O PERDÃO

O perdão é a virtude mais divina no co-ração do homem. Assemelha-se ao toque de uma mão que conforta o angus-tiado, é tal qual um sorriso franco dirigido ao que, enfu-recido, busca ofender do modo mais primitivo possível mas sente a impressionante força aveludada da ternura. E abran-da, diminuindo em seu organis-mo a adrenalina que o fazia ofegar raivoso. O potencial do perdão é praticamente in-comensurável, sou de pensar que não tem limite. Quem perdoa sem ressentimentos retira de sobre si um peso insuportável e seus olhos en-xergam cada novo amanhecer com a leveza do sentimento de liberdade. O que perdoa se liberta da angústia e sente novamente a suavidade de uma existência tranqüila. Isso é realmente perceptível no semblante de alívio que exibe. Seu ar risonho o denota, a consciência já não o perturba. Porque o sentimento de ódio que toma conta de quem foi lesado ou magoado de alguma forma brutal e não conseguiu perdoar encarcera numa prisão sem porta e sem chave. Então brota devastadora a solidão corrosiva que vai matando aos poucos. Bem sabemos, sair dessa cela não é fácil senão através do perdão, o único meio factível para o alcance da luz, eis que esse norte deriva simplesmente do amor. E tudo que é nascido do amor tem aura sublime. Já a carga de quem não tem condições emocionais de perdoar é realmente de grande porte pois a revolta é um espinho venenoso que dilacera e magoa paulatinamente com a eficácia de uma cascavel.
Talvez você, sim você mesmo que perdoou, não lembre caro amigo leitor ou, dada a sua virtuosa humildade, guarde só para si o grande sofrimento causado por aquele médico sob cujas mãos você sofreu uma intervenção cirúrgica.
Lembra do erro médico cometido, em razão do qual você esteve tanto tempo sem poder sair da cama e sofrendo as piores agruras? Recorda as vezes em que, para não incomodar ninguém, você ficava dias sem satisfazer suas necessidades fisiológicas? Mas você, bom amigo, em nenhum momento alterou a voz para insultar a quem o prostrou e lhe tirou a força de andar. Muito pelo contrário! Riu do fato com a maior serenidade, nem parecia ter ocorrido com você o malfadado evento. E você bem sabe o motivo desse desapego à vingança: é que o seu coração é um oceano repleto de ternura e perdão.
Tacitamente você concedeu o perdão àquele profissional da medicina, mesmo estando até hoje arrastando as pernas para dar uns passos apoiado nas paredes, nos muros, em qualquer arrimo. Seu caminhar é claudicante, todavia seu rosto é um sorriso só o tempo inteiro. Recorda sua resposta quando lhe foi perguntado se gostaria de levar adiante o caso para buscar reparação na Justiça contra o médico? "Ele não fez porque quis, ele não errou por querer quando me cirurgiou e me tirou a capacidade de andar normalmente." Você falou isso para sua filha e ganhou ainda mais a admiração e o respeito dela por essa atitude tão própria dos altruístas. Quero, nestas despretensiosas linhas toscas, prestar-lhe uma justa homenagem, pois você, como poucos, abriu seu espírito para a singeleza do perdão. Se você estiver, agora, lendo este artigo mal traçado evidentemente saberá que o escrevi objetivando abraçá-lo através dele com todos os encômios merecidos. O perdão que você concedeu àquele médico, mesmo isso não chegando ao conhecimento dele até mesmo porque você não haveria de desejar tal coisa, encantou sobremaneira sua filha, através de quem tomei conhecimento do acontecido. Ela, meu amigo, saiba disso, comentou o assunto comigo quase às lágrimas, transbordando emoção e tomada pelo brilho do embevecimento nos olhos, onde vi o amor filial se expressando. Nós dialogávamos sobre o empolgante assunto amenamente quando ela fez o relato, sentindo-se, conforme confidenciou-me, um tanto encabulada e pequenina diante da grandeza de sua resposta serena quando perguntou se levaria o médico às barras da Justiça para exigir uma possível indenização pelo mal que lhe causou. Naquele momento, ouvindo-a em silêncio, vislumbrei a beleza do assunto à disposição para minha matéria destinada a este suplemento. O seu perdão, caro amigo, deu vida a esta croniqueta despretensiosa sobre tamanha virtude, e é especialmente dedicada a você, meu amigo, que domingo após domingo dispõe de um pouco de seu tempo precioso para ler meus artigos. A você que perdoou, que deu o exemplo para sua filha e para mim. Obrigado. O seu perdão encheu meu coração de sublime alegria.

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