quinta-feira, 11 de outubro de 2007

C R Ô N I C A

VIVER DE RIR

Quando o orvalho desce suave sobre as flores é como se elas estivessem a chorar diante das ações desumanas dos homens maus. Quando o vento, apressado, faz a curva na esquina e assobia uma música estranha e desafinada, é quase um canto de rebeldia desafiando a métrica e a pureza das notas musicais; assemelha-se ao lúgubre silvo da tristeza desenfreada e mórbida. E assusta. Quando pensamos que está tudo perdido e nos encontramos num beco sem saída, quer nos parecer, logo de súbito, que um fio de esperança se imiscui em nosso campo de visão, oriundo do pensamento, e nos transporta para as possibilidades.
Quando a vida teima em desaparecer por razões as mais absurdas e o fim se aproxima paulatino, eis que uma mulher grávida dá à luz uma criança transbordante de ânsia por viver e sorri agradecida. E o ciclo humano se torna interminável.Tudo passa, tudo se esvai, tudo recomeça, tudo vai e volta com mais intensidade a cada dia. Os aviões explodem e fazem perecer tantas existências sonhadoras! Mas os corações saudosos e arrebatados pela melancolia também se reconfortam com a ternura do continuar enxergando o por do sol e o arco-íris esplendoroso. Porque existir é ser o intimorato astro de um circo caminhando sobre cordas bambas e oscilando em trapézios aterrorizantes. Não há probabilidades no imponderável, não se tira ar puro de florestas devastadas nem ao ser humano é dado voar como, gráceis, fazem os pássaros, que se desengonçam quando tentam andar. Asas não são sinônimo de braços, e em suas diferenças gritantes ambos não se confundem. Todavia, chorar e amar são virtudes tão próprias dos homens e mulheres quanto sorrir, embora as árvores sussurrem frases incompreensíveis ao sabor das brisas sopradas em desespero pela bocarra da natureza.
O impossível, portanto, é o limite para o fraco que não tenta superá-lo. Há tantos caminhos e veredas por esse mundão afora, tantas alegrias transformadas em gargalhadas sonoras. Daí não ser prudente morrer de rir nem derramar lágrimas até cair no abismo da depressão; mais vale, portanto, viver de rir e marejar apenas movido por instantes passageiros, fugazes. Malgrado todos os malgrados e percalços e os momentos que nos querem induzir às profundezas da lamúria, vivemos e sorrimos, sonhamos com a felicidade. Sou, destarte, pelas músicas esfuziantes que conduzem o coração ao chamego, nunca por quantas o espremem para dele arrancar somente a pieguice das lágrimas. Os acordes devem e precisam se extraídos, é de se dizer, com o benévolo intuito de alegrar a alma, tranquilizá-la, distraí-la, transportá-la para o pódio do prazer, nunca para derrubá-la ao rés do chão. As dívidas não são adimplidas por tristezas nem apatias, mas pelo labor que forja o suor cotidiano e dá brilho à existência.
Assim, conquanto insistam alguns em metamorfosear o viver num rastro de pés desprovidos da ternura e dos olhos brilhantes de entusiasmo, vamos nós seguindo o trio elétrico do sorriso e expressando aquele bem-estar típico dos felizes, de quem planta a felicidade para colher seus frutos doces e suculentos. Que a ilusão da vida seja, posto isso, tão ardente, bela e maravilhosa quanto sonhar as fantasias que o coração desejar descobrir aqui e alhures. Haverá, então, miríades de estrelas sorridentes flertando conosco lá do firmamento, num interminável afair amoroso platônico que, mesmo implausível, torna-se uma viagem embevecente, um deslizar de pétalas sob nossos passos ao longo do caminho. Sonhar e filosofar adocica nossos dias. Há tempo em demasia para o pragmatismo.

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