quarta-feira, 30 de abril de 2008

A NOIVA ABANDONADA NA CHUVA

Hoje, dia 27/04/2008, às 15:04h, chove em abundância sobre Natal-RN. O céu exibe um enorme e carrancudo rosto cinzento e derrama sobre a cidade seus bilhões de lágrimas frias e intermitentes. Desde a madrugada de hoje. Temo que uma nova tromba d'água tenha sido despejada com o mesmo ímpeto daquela que no começo da semana inundou e destruiu casas, atormentou e fez chorar tantas famílias desabrigadas pela força de seu poder incontrolável. E o meu coração enxerga, do íntimo de sua profundidade, pulsando acelerado e melancólico, diversos natalenses certamente sofrendo a mesma angústia, agora, ao vivo, enquanto escrevo esta crônica. Não há como não imaginar o alagamento das ruas, o trânsito impedido, carros sendo arrastados, mães com as mãos na cabeça sem saber o que fazer, crianças chorando desesperadas ao lado dos pais atarantados, bueiros transbordando suas podridões acumuladas pelos sujismundos, energia cortada de bairros mais atingidos pelo impulso das águas, enfim, o indescritível caos. Ainda bem que é domingo, ou infelizmente por isso mesmo. Em primeiro lugar, graças porque não é dia de expediente; contudo, em sendo domingo procuraríamos as praias, os shoppings, os sítios, as fazendas, os pesque-e-pague, as praças, as ruas. Implacável e indiferente, a chuva segue seu curso constante. Não cede, não termina, molha quem a enfrenta, alaga tudo em seu caminho. Olhando para cima aqui do meu apartamento, o computador pertinho da janela fechada, ao tempo em que não paro de escrever porque tomado por um incontrolável frenesi literário, encaro o manto acinzentado encobrindo o azul celeste tão lindo e o amarelo vivo do sol. Estranho como essa capa enorme consegue esconder toda a beleza do firmamento. Natal parece uma criancinha assustada, trêmula e indefesa sob os grossos pingos precipitados lá do alto. Toda molhada e a ponto de afogar-se com tanto aguaceiro, e sem ter a quem recorrer, tirita de frio esperando debalde o fim desse interminável e incomensurável mar de lágrimas derramadas do espaço sobre ela. Por instantes, faço uma suave pausa, tento abrir somente um pouquinho a janela e, de repente, cai-me sobre o rosto a nem tanto inesperada rajada de vento frio acompanhada de respingos que mais parecem pedaços de gelo furando minha pele. O calafrio subseqüente é imediato. Ato contínuo, eu a tranco e me volto para a tela do terminal a fim de relatar o acontecido. Todavia, meio desanimado, cabisbaixo, me pergunto: que mais há para dizer? No tocante ao prosseguimento da chuva? Acode somente o nada; sobre a ferocidade do céu circunspecto? Isso é tão desagradável e previsível; a respeito da melancolia espraiada em cada recanto da Noiva do Sol? Chega a ser deprimente pensar nisso. Assim, chego à triste conclusão de que não existe mais nada para ser dito, o dia está anêmico demais para inspirar algo mais para este texto pueril. Compreendi, porém, a certeza dessa indubitável verdade: a noiva Natal e o seu noivo, o Sol, embora apaixonados o ano inteiro e sempre juntinhos, não vão namorar hoje. Tomada pelo ciúme, a chuva estragou esse prazer. Mesmo sendo domingo, dia de ver os dois abraçados na praia

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