quarta-feira, 14 de maio de 2008

O CAFÉ TORTONI EM BUENOS AIRES




Eu já sabia de antemão que teria de enfrentar uma fila enorme se quisesse visitar o Café Tortoni e degustar os pratos saboroso de seu cardápio. Quem viaja para Buenos Aires tem que necessariamente ir até lá, jantar e tirar fotos. Contudo, não estava preparado para a multidão que encontrei à espera. Na rua onde se encontra esse local de eminência quase parda acontecia, naquela noite especial em que resolvi fazer a visita de todo turista que se preza, um concerto de tango assistido por milhares de pessoas. Praticamente todas fumando. Imaginem só minha aflição quando cheguei e avistei o fumaceiro fazendo nuvens sobre a rua e apodrecendo cabelos e roupas de quantos lá se encontravam. Uma orquestra composta de homens da melhor idade, sob a batuta de uma maestro também já bastante andado em décadas, deleitava-se em tocar tangos os mais variados para o encanto do povaréu alvoroçado, os lábios amarelados pela nitocina dos cigarros acesos uns atrás dos outros. A princípio, quis desistir, sim, aquilo era demais para mim. Fica difícil para quem me lê imaginar o cenário em que me encontrava. A quilométrica fila, o barulho ensurdecedor e os infernais cigarros pendendo acesos das bocas argentinas. A visão do caos e o semblante do inferno, sem dúvida. Mas, valente e decidido, resolvi ficar. Já chegara alí mesmo, talvez não fosse uma boa idéia desistir e voltar depois. Então, tomada a decisão, eu e minha mulher pegamos a rabeira da fila e esperamos. Lá na frente estava a porta fechada do Café Tortoni vigiada por um guarda-roupa carrancudo, que a abria de vez em quando, é provável que de quinze em quinze minutos ou mais, deixava sair algumas pessoas já servidas e entrar outras à cabeceira da fila, provocando-me calafrios quando novamente a fechava. E haja fumaça sobre a minha cabeça, o rosto, a roupa, os braços, as mãos, penetrando nariz adentro, turvando-me os olhos, provocando tosse e se imiscuindo por meus poros como uma praga maldita. Enquanto isso, a fila pouco andava. Eu lançava olhares furiosos aos fumantes, cobria meu rosto com a jaqueta de couro, me abanava, mas nada disso adiantava. Atrás de nós a serpente já se alongara mais e mais, e somente uns poucos sortudos iam conseguindo penetrar no recinto sacrossanto do Café Tortoni. Em determinado momento, pensei em mandar tudo à m..., principalmente os fumantes, mas ante o possante desejo de conhecer essa ínclita entidade portenha, mantive-me petrificado no meu lugar, esperando, prestes a explodir de dentro para fora mas firme em meu querer. E assim foi, paulatinamente, os enfileirados caminhando lentamente, o tango rolando solto na rua, as brasas dos cigarros iluminando os rostos dos viciados em nicotina, eu sofrendo os horrores da tortura por estar nesse palco de guerra contra a saúde, até chegar, finalmente, minha vez de entrar. Quando o guarda-roupa abriu a porta, o Café Tortoni, enfim, mostrou-me sua cara. Sentamos-nos à mesa indicada por outro guarda-roupa que ficava próximo à porta pelo lado de dentro e pedimos o cardápio. É óbvio que o ambiente estava lotado. Graças a Deus não era permitido fumar ali dentro, pelo menos isso. O vinho dominava juntamente com a parilla(pronuncia-se parricha) e o café sorvido por quantos se aboletavam às mesas. Fizemos nosso pedido e ficamos olhando cada centímetro quadrado daquela cafeteria tão famosa. Não fosse o acaso de nos terem colocado ao lado de um caso excêntrico e tudo teria sido mil maravilhas. É que a mulher da mesa próxima, acompanhada de um cara que mais parecia um índio embrutecido, passou o tempo todo em que lá permanecemos chorando. Mas isso é motivo para outro crônica, pois os lances são realmente interessantes e, por vezes, chocantes.

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