terça-feira, 20 de maio de 2008

SENHOR TANGO - Final

Fêz-se um silêncio relâmpago ao fim do jantar, logo a seguir superado por murmúrios porque um casal de bailarinos subiu ao palco e esperou enquanto o locutor invisível explicou que os dois estariam à disposição de quem desejasse ser fotografado com eles. Diversos circunstantes foram até lá e tiraram foto em pose de passos de tango durante cerca de meia hora ou mais. Após o quê, concluído esse instante, digamos recreativo, todos voltaram aos seus lugares e, finalmente, chegou a hora do show. As mínimas e disfarçadas luzes foram apagadas de súbito durante dois segundos. A seguir o holofote colocado lá no alto, que passara despercebido por mim até mesmo por causa da penumbra, foi aceso com toda intensidade sobre o palco. Verifiquei que uma pequena orquestra já se encontrava estratégica em seu lugar determinado. Dois saudáveis cavalos montados por homens sem camisa e segurando bandeiras argentinas apareceram de inopino, não sei por qual toque de mágica. Rodopiaram ao som de uma melodia empolgante, corcovearam sem derrubar os cavaleiros, trotaram elegantemente no estrado redondo onde montaram o palco e se foram como chegaram. A música continuava estrondosa arrepiando-me os cabelos. Bailarinos deram o ar de sua graça cheios de mungagos e contorcionismo, as mulheres seminuas, os homens de smoke. Dançaram, cantaram, rebolaram dando um show de sensualidade ao som típico, a essa altura, do notório tango argentino. Pernas deles passavam por entre pernas delas, depois as delas pelas deles, ensaiavam abraços fortes e beijos calientes e se deixavam embalar pela embriaguês dos passos sutis e tão característicos do ritmo portenho. Todos os casais que entravam e saíam, em grupos ou aos pares, graciosos por vezes ou arrebatados quase sempre, mostravam o esplendor de sua experiência e capacidade de dançarinos exuberantes. A platéia deixava-se permanecer estática, boquiaberta, encantada ante o brilho excitante do espetáculo. Eu não esperava tanto do musical antes de seu início, pensando, como já disse anteriormente, que a apresentação seria rápida e somente a mera exibição de um ou dois casais dançando sem graça para turista ver. Não é isso, sem dúvida! Ao contrário, trata-se de um show verdadeiramente completo e imperdível, com mais de uma hora e meia de duração. O grupo todo, dos bailarinos aos cantores e músicos, são excelentes profissionais e não deixam nada a desejar, não faria feio na Broadway. Confesso, não tenho como, nesta crônica, relatar todos os detalhes do musical, em especial porque estou escrevendo após passada uma semana do espetáculo, com certeza somente um filme mostraria cada minúcia da bela performance. Mas afirmo sua qualidade artística e beleza cênica. O palco inteiro girava e uma circunferência no meio dele subia e descia ao sabor da mímica e das danças e conforme o enredo desenrolado. O cantor de tango que mais permaneceu em cena, cujo nome não guardei, demonstrou ser "only one man show", apesar de suas piadinhas infames tentando ser engraçado ao referir-se aos países dos espectadores. Ele era melhor cantando, por sua voz afinada e cheia de melodia, do que falando quando procurava dar uma de humorista, querendo ser engraçadinho. O "gran finale" é algo próprio dos argentinos, bairristas e chegados a coisas fantásticas e grandiosas: o cantor/humorista, juntamente com duas sensacionais cantoras gêmeas de voz maviosa, entoam em altos brados e inchando de entusiasmo a tão badalada música Don't cry for me Argentina, que Madonna interpreta com mestria. É a apoteose. Uma imensa bandeira nacional desce sobre o palco alastrado de bailarinos e cantores e todos aplaudem fervorosos acompanhados de pé pela platéia frenética. Filmamos, fotografamos, rimos, nos divertimos, foi uma grande noite para não esquecer. Ah, nem quero lembrar os garçons nos rodeando atrás do que eles chamam de propina(gorgeta entre nós) na maior cara de pau, esclarecendo que o serviço deles não estava incluso. Dei uma expressa banana para eles. Paguei em dólar o show ainda no Brasil, bem antes de viajar e paguei caro, por que daria "propina" por um serviço que certamente estava incluído, pois como poderíamos jantar, este também régiamente pago antecipado, se não nos servissem? Só se fôssemos enfrentar uma brega fila para self service, e isso, convenhamos, não condiziria com a classe emérita do espetáculo. Pior foi para quem tirou fotos com o casal de bailarino: à saída foi cercado por carrancudos argentinos para que pegassem e pagassem as fotografias - nem procurei saber seu custo para não me aborrecer. Aliás, em Buenos Aires, sem exagero, tudo eles cobram dos turistas, quase até mesmo o sorriso nunca espontâneo.

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