terça-feira, 20 de maio de 2008

SENHOR TANGO - I


Quem visita Buenos Aires não pode deixar de assistir a um dos diversos espetáculos de tango apresentados em suas casas noturnas e destinados especialmente aos turistas. Antes da viagem, asseguraram-me que o melhor de todos é o conhecido e famoso "Senhor Tango", uma apresentação deveras inesquecível. E que eu não poderia deixar de conferir em hipótese alguma. Assim, seguindo o conselho de quem já tinha ido à capital da Argentina, incluí a sessão de tango no pacote, se bem estivesse cético de que iria gostar de ficar sentado vendo um casal dançando no palco. Coisa mais sem graça! - pelo menos era essa minha expectativa a respeito. Só que tudo que pensei sobre o espetáculo não correspondeu a um milionésimo da fantástica encenação presenciada. Confesso, eu não estava preparado para a inesperada exuberância da verdadeira obra teatral desenrolada ante meus olhos e os olhos de centenas de expectadores de várias partes do mundo. À hora marcada para o traslado, vinte horas, chegou ao hotel onde nos hospedávamos o transporte conduzido por um senhor alto, um tanto velhusco mas bem humorado, meio galhofeiro com seu indefectível sotaque espanhol. Outros passageiros já se encontravam no micro ônibus, alguns brasileiros inclusive entre nativos de países estrangeiros. Após os cumprimentos formais, cada um disse sua procedência à medida que o motorista acrescentava uma frasezinha marota e fomos, enfim, no rumo do Senhor Tango. Saímos do centro onde estávamos, atravessamos a cidade passando por San Martin, Alto Palermo e proximidades de Caminito, avistando o cassino flutuante, e finalmente chegamos ao local da apresentação. Foi um choque! Positivo, é claro. Deparei-me com uma imensa construção em cujo frontispício, bem no alto e em destaque, o letreiro brilhoso anunciava: "Senhor Tango". Coisa de cinema mesmo. Dezenas de ônibus e automóveis estavam estacionados por todos os cantos em derredor, havia fila na entrada, todos se acotovelando ansiosos para descobrir a magia lá dentro daquele misterioso prédio iluminado por luzes de neón. Ainda perplexo diante do inesperado, entrei na fila juntamente com os demais, não antes de ouvir do velhusco motorista a recomendação de que quando terminasse o espetáculo ele estaria lá fora segurando uma placa com o número 21. No interior, esperáva-nos um senhor educado que nos indicou a mesa onde ficaríamos. Providência divina, fomos colocados a somente um metro do palco e bem ao lado de uma das escadas por onde circulariam os atores. O cenário que se me descortinou, além disso, deslumbrou-me. Com três galerias em três andares formando um círculo gigantesco, glamouroso, chique, suntuoso, nada devendo aos grandes teatros europeus, a casa de tango se apresentava completamente lotada. Ouvi idiomas dos quatro cantos do mundo, atônito, pasmo, sem voz, envolvido num cenário semi-iluminado onde o luxo pairava como visíveis pontos de diamantes expostos. Os circunstantes, alinhados e esbanjando elegância e bom gosto com suas roupas de primeira linha e última moda, davam um espetáculo à parte. Um lauto jantar fazia parte da festa antes do show de tango, e os garçons nos informaram que do menu constavam dois pratos além de vinhos e refrigerantes: truta e parilla. Trouxeram como entrada, para cada casal presente, vinho cabernet, água mineral e um petisco coberto de verduras que eu, perdido no glamour do momento, não consegui captar de que se tratava mas cujo sabor era inigualável. Tonto com tanto esplendor eu degustava o vinho e deitava o olhar sobre os quatro pontos cardeais do teatro, enlevado, encantado. Escolhi truta, minha esposa, parilla. Copos tilintavam, vozes e risos à toa ecoavam, flashes disparavam a todo instante. O ambiente destilava alegria e descontração. O jantar, como não poderia deixar de ser, mostrou-se acepipe digno dos melhores restaurantes de Buenos Aires, salvo a dimensão, altura e tamanho da parilla, impossível de ser apreciada em sua totalidade, o que, convenhamos, não desdourou sua perfomance dado o seu notório sabor confirmado por minha esposa. Por volta das vinte e três horas, finalmente, todos empanturrados de vinhos além da comilança charmosa, deu-se o início do esperado Senhor Tango


. ...continua

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