segunda-feira, 10 de novembro de 2008

ROUBARAM-ME O POR-DO-SOL

Eu costumava deleitar-me todas as tardes, quando o ocaso vinha cobrir com seu manto suave o dia morimbundo, ao descortinar lá adiante na linha do horizonte que atravessava as casas pelo caminho, deslizava pelo aeroporto à distância e finalizava num lugar inalcançável, o sol espalhando cores no céu enquanto dava seus últimos estertores e pintava o espaço com seus raios feito pincéis. Da janela do meu quarto eu grudava os olhos na cena indelével ao meu coração, sem piscar, muitas vezes munido da câmera fotográfica para captar os melhores ângulos e as mais diversas facetas solares coloridas embelezando os contornos das nuvens e fazendo do céu uma aquarela multicor. Bem fiz aprisionando na digital esses instantâneos.

Porque um dia, mais que de súbito, bem no ponto eixo onde o sol costuma deitar para dormir e esperar um novo alvorecer, alguém certamente desprovido de qualquer sentimento de romantismo, sem dúvida um ambicioso a lhe faltar um coração ou resquício de emoção estética, começou a construir um feio edifício bem na direção dos meus olhos pasmos. Construção que, paulatinamente, foi ganhando altura feito um gatuno se esgueirando para furtar e logo estava cobrindo casas, escondendo a paisagem, obstruindo a visão da pista do aeroporto e, por fim, à guisa de nódoa da qual é impossível livrar-se de tão daninha, pôs um monstruoso obstáculo entre minha visão e o espetáculo do entardecer cotidiano.

O lindo por-do-sol que me encantava e alimentava minha alma com a performance de sua poesia silenciosa, mas de cativante esplendor, de tocante candura, desapareceu por trás do cimento, dos ferros, dos tijolos, da argamassa moldada, desse tudo a formar um conjunto disforme contendo o suor dos trabalhadores e tal amontoado de material que se ia transformando num horripilante frankstein. Então, com sua face medonha mas ao mesmo tempo burlesca, ampliando as garras de harpia tétrica, sorrateiro e insidioso, num golpe viperino esperado mas que ainda assim deixou-me perplexo, roubou-me(porque violento em seu ato contra a emoção) o fascinante por-do-sol.

Agora, melancólico, acabrunhado, quando me posto à janela do apartamento e direciono o olhar para o leito do Astro-rei, só o vejo esgueirando-se por entre os lençóis de nuvens a cobrir-se para a noite que se aproxima, seus raios de luz escamoteando-se nas brechas ocasionais dos mantos nubinos e deixando rastros de suas cores festivas já sonolentas no oceano infindo do céu. E em pouco, contudo não tão pouco assim como eu deveras gostaria que fosse, é quase um repentino salto, ele se vê toldado pelo feio edifício que não arranha o céu, só o sol, daí se me torna impossível vislumbrá-lo na sua última apresentação antes de recolher-se às sombras noturnas.

Não me importo se as lágrimas descem e orvalham minhas faces; por que me envergonharia de chorar pela morte da beleza? Ser espoliado da emoção não torna um coração masculino factível do lamento em tom lacrimoso? E por que não deveria? Quando perdemos algo que fascinava nosso coração o clamor d'alma precisa ser expresso e exibido para que todos saibam quão triste ele se tornou. Assim, fico lá, ainda à janela, espiando apenas um instante de fragmentadas cores a morrer por detrás do monstro de pedra que me impede de assistir ao sol se pondo...e tentando aprender a voar para reaver o por-do-sol que me foi roubado.

45 comentários:

luis lourenço disse...

Ó meu amigo...fico muito triste com o teu enorme e sentido desencanto...quando a ganância se sobrepõe à beleza...tb me apetece marejar...mas contenho...terás de pensar em mudar de casa ou imaginar uma forma de te libertares desse feio mamaracho...

Abraços.

Ana Maria disse...

Linda crônica!
Uma boa noite.
Beijinhos!

Anônimo disse...

É a triste realidade :(
Belíssima crónica.
Abraço.
isa.

Vivian disse...

...que post triste, meu querido!

mas pensemos pelo lado bom,
que mesmo que se erga um arranha-céu,
o sol sempre existirá a despeito
de qqr coisa.

assim como tbm sua linda
sensibilidade.

muahhhhhhhhhhhhhhh

Anônimo disse...

Bela crônica, forte e com sensações várias a percorrer cada palavra. Gostei especialmente do final, fiquei com aquela sensação de que "ainda dá para ir mais adiante".
Abraços meus

Giane disse...

Oi, Gilbamar!!!

Agradeço o comentário tão gentil deixado lá no meu cantinho e aproveito para conhecer o seu.

Que descrição mais linda de um pôr-de-sol, infelizmente, quase perdido.

"Ser espoliado da emoção não torna um coração masculino factível do lamento em tom lacrimoso?"

Acredite, Amigo de Boas Palavras, o coração masculino não é o único a lamentar emoções cruelmente arrancadas...

Beijos mil e fique bem!!!

Cleo disse...

Quando vejo isso acontecer me dá uma tristeza, não deveriam contruir edifícios tirando a beleza de uma miragem tão linda, mas enfim a vida é assim mesmo, quem tem a vista desse por-do-sol agora que antes era teu, são os novos moradores deste novo edifício. realmente roubaram o teu lindo por-do-sol. te acompanho na tua tristeza.

Beijos de arco-íris prá você.
Cleo

Esther disse...

me ha gustado mucho como tratas algo como la salida o la puesta del sol,algo que muchas veces nos es indiferente pero que es de los espectáculos más bonitos que nos ofrece la naturaleza..

Saludos

elisabete fialho disse...

OI, viva...o pôr-do-sol está sempre lá...bem no fundo de si
É só levantar as asas voar
Abraço

Fá menor disse...

Na vida aparece-nos sempre algo que nos rouba um pôr-do-sol. Parece que não nos é permitido usufruir da poesia por inteiro...

Beijos

isis de la noche disse...

Qué poetico tu desencanto amigo..

No te preocupes.. Siempre habrá un lugar en el planeta donde sentarse a ver una puesta de sol...

Un abrazo..

Val Du disse...

O que é essencial?

Vamos construindo aqui e ali, e assim vamos "desconstruindo" a vida.

Abraços.

Anônimo disse...

A realidade bem descrita...Gostei muito,

Doce beijo

BC disse...

É mesmo um desconsolo, a natureza é coberta e tapada pelo ferro e pelo betão, mas infelizmente isso acontece em todo o lado.

A falta de estética, de sensibilidade dos engenheiros, arquitectos, ou seja lá de quem for.
Abraço amigo e tenha paciência que isso é mal corrente

el piano huérfano disse...

linda cronica de la musica
de lo relatas
sobre todo aceptar

un beso maestro

victor Rocco disse...

Hola amigo comparto las opiniones anteriores, es un bella cronica , con una forma muy linda de describir la puesta del sol , ese momento tan magico y tan natural que muchas veces no tomamos en cuenta, felicidades mi amigo.

Hermínia Nadais disse...

Emudeci... não tenho palavras... tudo se fica no silêncio da admiração e espanto... no tão velado amor à natureza que tão bela fica com a visão cuidada do esplendoroso pôr-do-sol!...
Que os pássaros o acalentem emprestando suas asas para voltar a olhar o que agora só as asas da saudade e fantasia lhe podem mostrar.
Bjito

FERNANDINHA & POEMAS disse...

Olá querido Amigo gilbamar, belissima crónica com uma melódia póetica, apesar do homem moderno crer retira-nos as belezas da natureza...
beijinhos de carinho e ternura,
Fernandinha

Patricia Ibarra disse...

Bellas palabras y profundos sentimientos que encierras en cada una de tus entradas a este blog.
Un gusto enorme leerte.
Saludos desde la ciudad de Mexico!!

Diosaoasis disse...

Me encanto lo escribistes tiene profundidad.
Saluditos.

Marinel disse...

Es la odiosa evolución,Gilbamar...
Los monstruos nos van rodeando,los hacemos de hormigón, altos, muy altos como intentando tocar el cielo con ellos.
Y para nada pensamos en que por querer tocar las nubes con la fría piedra de la modernidad, rompemos el hechizo mágico que nos regala el cielo despejado y hermoso.
Lindo el sol cuando se despide cada atardecer y se muestra lisonjero ante nuestra ventana. En tu ventana.
Entiendo tu desencanto, tu rabia e impotencia e incluso tus lágrimas, que demuestran tu sensibilidad ante la pérdida impagable de la imagen adorada de tu amigo sol...
¿Evolucionamos o involucionamos?
Me ha encantado el escrito.
Besos soleados.

pico minha ilha disse...

Uma boa noite de S.Martinho.Beijinho

MARTHA THORMAN VON MADERS disse...

Que lindo texto. Realmente a ganâcia, o desejo desenfreado faz isso. Venha morar no campo, e te garanto que por aqui terá belos finais de dia...E belos começos também. Um grande abraço

Unknown disse...

Adorei esta crónica, roubaram-lhe o Pôr do Sol, por cá também acontece disso, também são construidas verdadeiras monstruosidades que roubam a beleza à natureza.

Beijinhos

FERNANDINHA & POEMAS disse...

Olá querido Amigo Gilbamar, voltei para reler a crónia... e o meu coração ficou pequenino, perante tanta beleza do Pôr do Sol e tanta tristeza tua e com razão... Amigo, beijinhos de boa noite, dorme com os Anjos,
Fernandinha

Christi... disse...

Olá, vim agradecer sua visita no comentário no cantinho, amei seu espaço, estou degustando aos poucos, com permissão...
Amei o texto, estou lendo tudo aos poucos.

Grande beijo

Christi

mundo azul disse...

...a gente se sente roubado mesmo!
Lá na praia onde tenho casa, costumava andar a tardinha, apreciando o por do sol atrás das montanhas...Um espetáculo sem igual!
Mas, resolveram também construir prédios na beira mar, que acabaram por tampar a hora mais linda do dia...

Fazer o que? Apenas recordar...


Beijos de luz e o meu carinho!!!

Átila Siqueira. disse...

Oi Gilbamar, gostei muito de seu texto, mostrou muito sentimento ao escrevê-lo, e mostra o quanto tu escreves com o vosso coração.

Eu, que na verdade não sou muito afeiçoado ao sol, às vezes sinto na pele esses problemas da modernidade com relação a noite, que é minha grande companheira. As luzes da cidade infelizmente tampam o brilho das estrelas no céu, e ofusca a beleza da lua.

Quando vamos em uma cidade do interior, vemos o quão é belo o céu, um tapete estrelado, uma lua maravilhosa. Mas na cidade isso se perde, infelizmente.

Bom, mas não sei se compensa, mas na cidade eu tenho boas livrarias para ir, e isso acaba me servindo de consolo.

Obrigado pelo comentário lá no meu blog. Venho te visitar sempre, e me visite também, agora que somos autores da mesma editora.

Um grande abraço,
Átila Siqueira.

Uma boa pergunta... disse...

Gil
Obrigada pela visita..
E na minha falta de palavras certas para expressar-me vc disse que sabe bem oq é "oprimir com amor". É exatamente isso que eu estou sentindo.. oprimida pelo amor. Complicado...

Adorei estas palavras expressas no seu blog tb. Brilhantemente inspirador e acalmante.
Obrigada mais uma vez por me proporcionar isso.
Passarei por aqui mais vzs.

bjaum
=*

Anônimo disse...

Um pôr de sol que é de todos falta só pegar e mimar que ele volta.Abraço

ETERNA APAIXONADA disse...

*****

Venho a me solidarizar com você neste post, caro amigo!
Como recebi em emoção o que escreveu...
Passei por isso em um determinado tempo, após minha separação, quando fui morar em outro bairro...
Um vista linda, um sonho a recomeçar e, eis que de repente o terreno em frente começa a ter um cenário novo... Canteiro de obras...
O que eu tinha então,logo depois era um esqueleto de prédio que tampava toda minha visão do céu, do meu paraíso...
Me mudei...Com o gostinho de perda... Mais outra...
Um conto que tocou minha alma e me fez desabafar...
Boa semana!
Beijos

*****

rosa dourada/ondina azul disse...

Belo texto !
Sabes, é o progresso
e não se pode deter...


Abr,

Pétala disse...

Amigo é esse o preço q pagamos pelo progresso, as maravilhas da natureza q deixamos de ver e são apagadas assim por mãos insensíveis, mas q pelo menos vc possa ainda sentir essa bela visão em sua mente.

bjos carinhos e bom soninho!

Principessa disse...

Caro Amigo Gilbamar, que crueldade essa de lhe roubarem o por-do-sol!! Esse espectáculo da natureza é maravilhoso e eu também adoro assistir e infelizmente existem muitos prédios que nos tiram esse gostinho... Vai ter que encontrar o seu por-do-sol noutro lado... não deixe de apreciar essa beleza da natureza com alegria e não com lágrimas.
Obrigada pela sua visita à Terra do Nunca e pelas palavras amáveis que lá deixou.
Continuação de boa semana com muita paz e alegria.
Beijinhos amigos.

Unknown disse...

no te desencantes por lo que pasó!!!!!
siempre encontrarás un lugar para ver el ocaso del sol.........
gracias a la tecnología que tiene traducción tu página!!!!!!!!!!
un abrazo enormeeeeeeeee y seguiré visitándote..........
muchas gracias.........obrigada........

Tata disse...

Oi,

Retribuindo a visita no meu blog.

Nossa que texto triste! mas muito bem escrito! parabéns!!!!

bjinhos

Giane disse...

Oi, Gilbamar!!!

Mais uma vez aqui para avisá-lo que tem um presentinho para você lá no blog. Espero que goste.

Beijos mil!!!

Anônimo disse...

abrazos fuertes mi querida amiga

hannibal

Gabiprog disse...

Sin vergüenza de las lagrimas.
Sin vergüenza de lo perdido.
Queriendo sentir y no perder el deseo bajo lo brumoso de la derrota.
Hay que abrazar al sentimiento siempre.

Un abrazo.

Dina disse...

Sensibildade.... não se ensina em escolas...
Quem tem.. consegue com a maior naturalidade da alma....explodir emoção, alegria e tristeza...tudo com o coração aberto...
Bjs..

Luiz Caio disse...

Olá Gilbamar! Boa tarde!
O progresso nos rouba muitas coisas... Destroi as matas, invade as margens dos rios, e das praias, derruba as arvores, polui o nosso ar, e também... Rouba um lindo por do sol! Então eu pergunto... Até que ponto este mal é necessário?

GRANDE ABRAÇO.

MARTHA THORMAN VON MADERS disse...

Passei por aqui. beijos.

Carla disse...

roubarem-nos o sol é roubarem a luz da vida...por isso, porque não chorar perante o roubo dessa beleza que é parte de nós!
beijos e bom fim de semana

Anônimo disse...

jajaja, perdón.. habrá sido que me confundí.

Un saludo a la distancia AMIGO

hannibal

À PÉ ATÉ ENCONTRAR disse...

Bela crônica...Realista!
Ainda ñ roubaram o meu pôr-do sol, mas temo por ele e por diversos fenômenos maravilhosos da natureza, os quais alguns já ñ vejo...
Abraço!