quinta-feira, 2 de julho de 2009

O VÔO DO PARDAL



O silêncio foi repentinamente despedaçado por estranhos ruídos que lembravam mãos amarrotando folhas de papel, asas se debatendo, folhas farfalhando em grande amontoado e qualquer outro esboço de barulho um tanto misterioso. Porque não era uma coisa nem outra na minha forma de pensar naquele exato instante. É que já passava da meia noite, há pouco eu e Ana acabáramos de chegar e nos distraíamos lendo nossos e-mails e atualizando nossos blogs. Daí a razão da estranheza. E o som inusitado se repetiu novamente, duas, três vezes. Então nos assustamos. Seriam, talvez, baratas sorrateiras se esgueirando atrevidas no templo sagrado do meu lar, oriundas sabe lá de onde? Esperávamos que não, sobretudo porque as detestamos e delas temos asco com toda força d'alma.

O inesperado rompimento da calma noturna vinha do quarto contíguo ao nosso escritório. E voltou a se repetir, agora de maneira tão estrondosa e aguda que nos levantamos como se impelidos por molas poderosas, correndo na direção do local suspeito, eu já devidamente armado para enfrentar cara a cara o que quer que fosse. E foi então que, o coração saltitante mas o rosto abrindo-se em sorrisos, vimos o causador daquele estrupício todo: um pardal. Sim, o pequenino e desajeitado passarinho batia asas em desespero no aconchego de minha moradia. De algum jeito inexplicável ele encontrou uma brecha nalguma janela do nosso apartamento, adentrou justamente no horário em que tínhamos saído e, sem noção coitado, depois de entrar não sabia mais o caminho de volta, a saída.

O que podíamos fazer ante circunstância deveras insólita? Quando o avistamos e ele nos viu percebi o pobrezinho terrivelmente assustado, presa de indescritível temor, seu coração quase explodindo no peito em apressado movimento de batidas fortes e apreensivas. Cheguei a pensar que ele sofreria um súbito infarto e morreria ali mesmo no chão onde se debatia quando nos aproximávamos. Ao nosso menor movimento, ante o mínimo gesto de aproximação ele alçava desengoçado vôo e se batia nas paredes, nas estantes, nas janelas fechadas. Corri, entre uma tentativa e outra de pegá-lo, e abri de par em par a do escritório esperando vê-lo sair por lá enfim e seguir para seu habitat natural. Mas ele não conseguiu, como se não estivesse vendo o caminho da liberdade amplamente aberto e à sua disposição. Ana também tentou pegá-lo para, como queríamos, soltá-lo na escuridão da noite, porém cada vez mais se tornava difícil essa tarefa. Houve um momento em que a atemorizada avezinha rodopiou por entre os livros, birôs, computadores, impressoras, roteador e outros trecos do escritórios, levou um baque na parede e caiu atrás de um arquivo. E silenciou.

Voltamos à internet sem atinar com a solução adequada para resolver o impasse causado pelo pássaro invasor. Pensei até em deixá-lo onde estava e esperar o amanhecer de um novo dia. Só que eu ficava imaginando como seria passar a noite escutando o bichinho fazendo zoada na tentativa de sair da prisão em que se metera e não poder agir de nenhum modo para ajudá-lo. Por longos cinco minutos não o escutamos, ele parecia absorto e calmo por não nos enxergar. Foi então que Ana resolver averiguar como ele estava, e o pardal, ao vê-la, desembestou num vôo adoidado, passou perto da janela aberta, sem sair, foi de encontro à parede e caiu novamente. Desta feita bem ao meu lado. Nesse instante, aproveitando estar ele meio desnorteado, armei o bote, abri a mão direita, estiquei o braço e, rápido e sem dar chance, peguei-o finalmente. Eu o olhei, ele me olhou, os olhos esbugalhados, o medo estampado e eu sorri. Segurando-o delicadamente caminhei até a janela sentindo o pulsar atribulado do seu peito, seus pequenos olhos engrandecidos pelo medo. Sorri novamente para ele, coloquei o braço para fora, no espaço do quinto andar e abri a mão, libertando-o. Um foguete não seria mais rápido do que quando ele disparou, as asas a mil por hora, voando abruptamente como se não acreditasse. E desapareceu na noite.

Convido todos vocês para conhecer meu blog de cordel: http://cantodomeucordel.blogspot.com/

8 comentários:

Unknown disse...

Linda, direi mesmo soberba esta crónica!

Adorei!!!!!

Beijinhos e bom fim de semana,
Ana Martins

Paula: pesponteando disse...

eis o pavor, o medo reciproco...a bonança em nós por descobrir q o outro é bem menor, e ñ nos causa asco, pelo contrario. E nos tramite fragilidade...adorei o texto...abraços ao casal.

Luna disse...

O medo do desconhecido estava patente no pardalito, o mesmo medo que sofremos também do inesperado, ainda bem que o pequeno ser pode voltar em paz ao seu habitat
Beijos

Josselene Marques disse...

Amigo Gilbamar:

Que crônica mais linda! Parabéns!
Além da beleza, observei a mensagem, o ensinamento que ela nos transmite.

Ah! Acabei de postar, em meu blog,o conto do qual lhe falei: "Feliz recomeço".

Ótima semana para você e sua adorável Ana.

Andreia Alves disse...

Olá Gilmar, retribuindo-lhe sua adorável visita! Gostei do teu cantinho e tens belos textos... Beijos e um lindo Domingo!

Paula Barros disse...

Mas eis que o passarinho entrou num lar acolhedor, de um casal carinhoso e fantástico, e ainda ganhou uma história fabulosa.

Você conta tão bem as história que teve hora que fiquei sem fôlego, apreensiva, e me senti livre com o voo da liberdade.

Quanto ao Rio, acho que vale a pena conhecer, você e Ana acredito que vão adorar, até porque o Rio é lindo por natureza, muitos já disseram, e vocês tem o olhar de descobrir mais belezas.

Estive lá em junho do ano passado, andei muito sozinha, fui ao arpoador, orla, bondinho, Cristo Redentor, Jardim Botânico, confeitaria Colombo...tudo sozinha e vi gente que informa bem, acolhedora, cidade (nos pontos turísticos) muito limpa, não vi a quantidade de mendigos e meninos de rua que vejo em Recife...tanto que estou voltando.

abraços

Vivian disse...

...que linda forma de contar
esta aventura do pobre pardal,
preso nas garras de sua fragilidade.

ainda bem que entrou em casa
de GENTE que é GRANDE!

senão, hoje com certeza
já teria virado pó...rss

beijinhos aos casal...

muahhhhhhhh

Meg disse...

Somos todos como o passarinho, assustados e destemidos sob ameaça de um qualquer perigo iminente....belo texto poético
abraço
Meg