quarta-feira, 9 de março de 2011

SE NÃO POSSO FALAR, ESCREVO

Já que não posso falar, escrevo. E descrevo através da ponta dos dedos o jorro do manancial de emoções desencontradas que me transborda na alma. Teclando, chorando, pensando, sonhando melancólico. Não vejo as letras sobre as quais a sensibilidade de minhas mãos escorrega, guiadas estas decerto pelo instinto literário de ir soletrando e formando frases doidivanas e apaixonadas sem qualquer controle.  Eu não as direciono, elas me conduzem para um rumo desconhecido, provavelmente para muito além do imaginado por meu coração.

E se escrevo porque não me é permitido expressar em viva voz os conturbados sentimentos desnorteadores que me angustiam, vou dedilhando as teclas onde as dezenas de letras do alfabeto se contorcem desencontradas numa simetria só compreensível aos familiarizados com essa incoerência. Nem sei como os contornos do contexto se delinearão ao final, se provocarei um dilúvio de disparidades desconexas ou um amontoado de paráfrases sem sentido capaz de dar nó no cérebro do mais competente dos filósofos. Entendo tão-somente ser premente essa minha incontrolával vontade de despejar na folha em branco ou na tela do computador o fluxo verborrágico latente dentro do meu mais profundo recôndito.

Certo, escondo minhas tristezas para mim mesmo, bem lá no porão escuro do meu querer incompreendido, faço isso. Todavia, às escondidas e para não explodir na amargura desse turbilhão fortuito, escrevo. E não precisa que leias, não quero nem pretendo desejar que vejas o despojo das tristes reflexões expostas num texto só destinado aos meus olhos, voltado unicamente para desabafos doravante herméticos. Será meu segredo, quiçá um confessionário onde falarei pelo silêncio das frases que vou anotando desconcertado, sem nem mesmo compreender ou tentar norteá-las nalguma direção.

No meu texto eu grito, lamento, choro, exclamo, abro inteiramente as portas desse coração angustiado, de par em par. Assim não provocarei nenhuma reação de sua parte que certamente me faria sofrer ainda mais. Aqui neste espaço solitário meu clamor não é ouvido senão por mim mesmo e pelo mutismo do céu, o calar do sol, a tranquilidade do instante que segue. A brisa não pode levar meu lamento à tua presença porque nem ela sabe, nem ela ouviu. Bem que as aves diriam a ti, gorjeando, a verdade cá inscrita, mas também elas se calam tamanha a complexidade de meus sentimentos.

Tudo bem, aceito conformado. Se não posso falar, escrevo.

Um comentário:

Sara Carvalho disse...

Adorei o desabafo! A alma de escritor-poeta se sobrepõe a de advogado. E isso é ótimo! Precisamos de mais homens de sentimento e menos dos de ciência.