sábado, 22 de outubro de 2011

ESSES GESTOS VÍVIDOS


Gosto de andar à toa pelas ruas menos movimentadas de Buenos Aires, mormente as localizadas no bairro da Recoleta porque nas grandes avenidas é quase impossível caminhar despreocupado e sem rumo, tamanha é a multidão apressada no vai e vem do cotidiano. Todavia, se bem nas artérias mais estreitas desse bairro ainda possamos passear como se estivéssemos numa praçinha qualquer de algum interior apenas gastando tempo, muita gente também corre por entre elas de um lado para outro, tanto nos dias úteis, na azáfama do trabalho diário, quanto durante os finais de semana. O que não ofusca, por outro lado, a calma com que observo a movimentação das pequenas lojas, dos kioscos, dos mercadinhos, das cafeterias, das casas de chá e muito mais.


Aliás, é justamente esse comércio de pequenas proporções, com seus proprietários hirsutos ou sorridentes à frente, empregados ocupados nas atividades sob o olhar nada complacente dos patrões, fregueses se achegando para comprar ou simplesmente passar o tempo olhando as mercadorias para irem-se em seguida, seus muitos e interessantes gestos e maneirismos, o modo como se expressam e gesticulam, o ar de preocupados ou de boas perspectivas entrevisto em seus olhos, a vida seguindo seu curso na pasmaceira coletiva das pessoas sobrevivendo aos anos.


Por vezes páro sorrindo, pensativo, triste, casmurro, indignado por qualquer razão percebida em meus sentimentos, quase sempre anoto algo, uma atitude, um jeito de ser desse ou daquele homem ou mulher cujo jeito de ser chamou-me a atenção além do normal, tudo para futuras inspirações, para escrever crônicas, contos, redigir pensamentos, mensagens,frases, em outros instantes reflito, faço comparações, imagino como seria tal ou qual grupo de criaturas em determinadas situações e vou prosseguindo meus devaneios enquanto circulo sem pressa, esquecido das horas e dos compromissos.


Cães e gatos, é óbvio, contribuem para avolumar minhas anotações, e certamente os pedintes, os exóticos, os loucos, os apressados, os emburrados, os mal-vestidos. Os animais despertam-me o interesse pela inocência instintiva de seus atos, muitos protagonizando cenas bizarras com seus donos, sejam ambos beijando-se na boca, sejam aqueles inesperadamente defecando nas ruas à medida que estes, indiferentes, não se importam de limpar as calçadas onde os excrementos foram depositados pelos bichos. Já os humanos, entre tantas bizarrices, ainda por cima vão pisando sobre o cocô deixado pelos cachorros em suas passagens. Na verdade, ruas e praças são os melhores locais para inspirar os cronistas do cotidiano. Personagens, acontecimentos, casos engraçados ou surpreendentes, está tudo ai nesses lugares somente esperando para serem registrados pela crônica dos observadores dessa seara hilária e perplexa chamada humanidade.

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