sábado, 19 de janeiro de 2013

CRÔNICAS DA EUROPA - 1

Bom dia amigos!! Estive passando uma temporada maravilhosa de sessenta dias na Europa, entre Suécia, Dinamarca e França, resultando desse verdadeiro tour de conhecimento várias crônicas e fotos que, a partir de agora, postarei neste blog. Espero que todos vocês curtam e deixem seus comentários. Divirtam-se com os fatos pitorescos que relato do meu dia a dia na Europa.  




                                          PASSEANDO PELA SUÉCIA 


No restaurante do IKEA o sujeito comprou batatas fritas, almôndegas, purê de batata, geléia de cranberries e um copo de leite cheio até até a borda. Não foi uma surpresa desnorteante porque eu já sabia que os suecos almoçam e jantam tomando leite. Naquele momento quase todos no restaurante bebiam leite, às vezes mais de um copo cheio, enquanto comiam. Mas até eu e Ana chegarmos a esse colosso comercial que é o Ikea passamos por uma verdadeira odisséia digna de romances de aventura. 

O dia estava lindo, quase claro, com previsão de chuva fraca para bem mais tarde, a temperatura se mostrava agradável, por isso decidimos fazer a caminhada de cinco quilômetros até o mundialmente famoso universo comercial chamado IKEA. Afinal de contas seria nossa malhação, nosso exercício físico do qual já nos vemos sentindo falta, habituados que somos aos esforços proporcionados pelas atividades diárias na academia, no Brasil. Pesquisamos o roteiro no Google Maps, traçamos no mapa físico as ruas por onde passaríamos e ligamos o GPS, iniciando então nossa aventura. Sim, foi uma verdadeira. surpreendente e inesperada aventura que nos fez, lá pelas tantas, a meio caminho, perceber que talvez tivesse sido melhor ter ido de ônibus e deixar a caminhada saudável para outros dias. Isso, no entanto, somente muito tempo depois passaria por nossa cabeça.

Vejam só o que faz o destino conosco, pobres viventes: a primeira rua por onde deveríamos começar a jornada impetuosa se encontrava interditada. Resolvemos, assim, ir por uma rua mais distante, pensando que lá na frente retornaríamos à indicada pelos mapas. Ledo engano! Não foi bem assim, tratava-se de enorme avenida e somente lá na frente pudemos retomar o caminho julgado certo. Bom, aí sim notamos que o GPS indicava sempre estreitas ruas por onde apenas pedestres e ciclistas circulavam. O pior de tudo foi ter certeza de que o GPS só nos levava por ali, independente de o mapa em nossas mãos não registrar as tais artérias cada vez menores, apertadas, esquisitas, desertas e aterradoras. Aqui e ali um ciclista solitário, uma ou duas mulheres apressadas, o silêncio e mais silêncio, parecia que deixáramos a cidade e havíamos caído numa espécie de pesadelo real, porém sem nenhum perigo, embora cheio dessa angústia tão característica dos sonhos tristes, das estradas melancólicas, das tristezas abandonadas pelos sorrisos. E o GPS nos mandava seguir em frente na maior indiferença, firme em seu propósito estranho, conduzindo-nos para o que me pareceu, de fato, fantástico labirinto perdido no tempo, no espaço, abandonado pela vida, esquecido até mesmo pelo mais singelo olhar de misericórdia. Apesar de tudo isso, víamos casas e mais casas ombreando com edifícios não muito altos, daqueles tipo caixão, mas caixão sueco, claro, contudo eram casas e apartamentos herméticos, sisudos, circunspectos, silenciosos, sem nenhum rastro de humanidade, com muitos e muitos carros parados ao lado, à frente, atrás, árvores desfolhadas pelo outono e o nada em cada curva, em cada ruela entre eles, no ar sem pássaros, no chão úmido atapetado por folhas mortas pela estação que as faz se desfazerem em adubo. Em todo o trajeto angustiado só tivemos a repentina e atônita surpresa de ver duas crianças, agasalhadas da cabeça aos pés, brincando sozinhas num quintal aberto e triste, rindo aquela espécie de riso desprovido de graça, figuras ingênuas num filme de suspense onde a qualquer momento algo macabro aconteceria. Só que estamos na Suécia, país educado, civilizado, rico, em que coisas desse tipo jamais ocorrem, só em filmes americanos mesmo.

E lá íamos nós em busca de nossos objetivo, o quadro ficando pior de segundo a segundo, o tempo escurecendo, o deserto aumentando, o cenário se tornando sempre o mesmo onde que que estivéssemos. Cada vez que entravávamos em uma daquelas ruazinhas estreitas ela parecia ser maior do que a anterior, como se andássemos sem rumo e não houvesse como chegar a lugar nenhum. Será que andávamos em círculo ou aquelas ruas não teriam fim, como num conto de fadas, na estória de João e Maria? Ainda assim o GPS continuava a dizer-nos para seguir em frente, entrar à esquerda, em frente novamente, entrar à direita e andar, andar sem parar. 

Quando começou a chuviscar, pronto, não deu outra, eu me apavorei, isso porque não havia um abrigo sequer onde pudéssemos permanecer até que a chuvinha terminasse. As casas e prédios perdidos e esquecidos naquele fim de mundo circundado por mato baixo e estradinhas estreitas próprias para pedestres e ciclistas estavam fechadas, aparentemente sem ninguém e não ofereciam condições para nos proteger do chuvisco que caía e começava a molhar nossos casacos, gorros, luvas e sapatos. E agora? Todavia, malgrado todo esse sufoco, o GPS persistia afirmando para irmos "na direção da venta". E fomos, Ana consultando a todo tempo o mapa e o GPS, eu me esforçando para não gritar enlouquecido pelo silêncio, o ambiente deserto e a chuvinha intermitente que fazia o meu nariz se transformar num picolé.

Foi então que começaram a aparecer à nossa frente pequenos túneis, meu Deus onde estávamos? Lembro que de vez em quando uma viv'alma ou outra aparecia no caminho, um que outro ciclista, tanto homem quanto mulher, atravessava nossos passos, porém eu não via perspectiva promissora em nenhum instante à medida que prosseguíamos, a chuvinha insistia em cair, não víamos outra paisagem além das casas e apartamentos fechados e sem vida, o caminho cada vez mais longo, a perder de vista, e a quase certeza de que, reconhecendo ou não, provavelmente nos perdêramos.
Mas o danado do GPS não parava de dizer que continuássemos naquele rumo. Num dos túneis deparamos com três jovens segurando suas bicicletas, talvez aguardando a chuva passar, e Ana, vejam só, receou que eles pudessem ser marginais ou algo semelhante ali à espreita para nos assaltar, sabe-se lá. Outra vez lembrei que estamos é na Suécia, não num país do Terceiro Mundo. Surpreendam-se, eles educadamente saíram de onde estavam para nos dar passagem.

Aonde ia dar aquele labirinto interminável? Às vezes, ao longe, enxergávamos carros, não muitos, indo e vindo, depois tudo voltava ao silêncio, à modorra, ao deserto, ao nada do nada. Sinceramente, o desespero apegava-se a minha alma, embora eu não dissesse a Ana, ela sim otimista, obedecendo aos comandos do GPS, convicta de alcançarmos, finalmente, o lugar para onde íamos. Necessário, a bem da verdade, registrar que, de quando em vez, alguém chegava de carro, estacionava, descia, pegava suas compras, fechava o carro e desaparecia. Mas foi acontecimento tão raro e insignificante, nem valeria a pena lembrar.

Afinal, depois de tudo isso, do cansaço, da fadiga, do temor tomando conta do meu coração, do pesado silêncio em torno de nós, da chuvinha molhadeira, das inúmeras ruazinhas, uma maior do que a outra, mais comprida, mais interminável, Ana avistou, ainda um pouco distante, é certo, mas sobremaneira consolador, o nome IKEA. O ocaso cobria o céu de breve penumbra, o anoitecer se vislumbrava, mas nós dois rimos, meio que dançamos, nos fotografamos, nos abraçamos, nos beijamos felizes porque, graças a Deus, após essas inomináveis vicissitudes, chegáramos, sim, o GPS estava certo o tempo todo e nos levara, enfim, ao nosso objetivo.

Gilbamar de Oliveira Bezerra

Um comentário:

Anônimo disse...

Meu querido amigo...deu para me cansar,acredita?
Belíssima narrativa.
Beijo.
isa.