sábado, 20 de fevereiro de 2010

O RISO QUE NÃO MORREU


Uma gigantesca onda de tristeza cobriu-me no entardecer tranquilo da segunda-feira de carnaval. Eu via o que se descortinava à minha frente mas não conseguia acreditar que não se tratasse de mera visão momentânea dada aos meus olhos por alguma razão desconhecida. Não sabia se chorava rindo ou se ria chorando, porque a cena que me estava sendo proporcionada por esses repentinos e inesperados instantes da existência humana impossíveis de ser previsto poderia conduzir-me tanto para o atalha da melancolia quanto para o rumo da esperança, ali bem na minha frente renovada. Com uma pontinha de amargura mesclada à compreensão do quão é inefável a desilusão que rodeia nosso viver.

Estacionei o carro sem fazer menção de sair, horrorizado, pasmo, meu coração saltando no peito estarrecido. Minha esposa tocou-me a mão e segurou-me o braço, também deveras a um tempo encantada e desiludida ante o que víamos, estática, inerte, caluda. Olhamo-nos prestes a balbuciar algo capaz de definir os sentimentos engalfinhados n'alma, porém a voz não logrou escapar, nem um fio de palavra dissemos. Aquilo à nossa frente existia sim, era de verdade e movimentava-se queimando-nos os olhos, um tanto estranho e inesperado, claro, e ainda assim vivo e firme, contudo exagerando na descontração talvez a querer mostrar-nos ser desnecessária a perplexidade. Não precisava deixar-se envolver tanto por essa emoção arrebatadora, tornar-se surpreso tão de súbito, provavelmente nos diria se tivesse oportunidade para isso.

Descemos do carro sem tirar os olhos dele, ao lado de quem iam os pais e um irmão, e percebemos que nenhum membro dessa família indo também à padaria se preocupava ou demonstrava qualquer reação diferente porque o filho mais novo, cinco ou seis anos deveria ser sua idade, sorridente, brincalhão na ousadia própria da faixa etária e calmo apesar do problema aparente, que não o impedia de rir e falar como se nada estivesse acontecendo, vestindo calça comprida cinza e camisa colorida representando a folia presente, penso, andava apoiado num andajá provido de rodas em razão de não ter a perna esquerda. Sem reclamar nem pedir ajuda, indiferente à falta daquele membro corporal obviamente essencial à normalidade cotidiana, o garotinho aleijado de apenas cinco ou seis anos entrou na padaria dando encontrões no irmão não por causa de sua condição física, mas por galhofa, por farra, por brincadeira. E todos riam na maior descontração. Somente eu e Ana estávamos ainda atônitos com a naturalidade desse cenário incomum, no entanto incapaz de afetar a felicidade do garotinho para quem a falta de uma perna não parecia significar quase nada.

7 comentários:

(CARLOS - MENINO BEIJA - FLOR) disse...

Com certeza,amigo.Lição a todos nós, de superação, de conviver com a adversidade. A gente anda reclamando por tão pouca coisa. Eu também gosto de observar essas cenas do cottidiano. Ótimo texto. Parabéns.Um abraço

Ana Maria disse...

Nunca deixar o riso acabar, porque senão morremos aos poucos.
Ótimo final de semana!
Beijinhos!

Unknown disse...

Essa criança dá todos os dias uma lição de vida aos adultos. Deus queira que nunca perca esse sorriso.

Beijinhos,
Ana Martins

Gabiprog disse...

Las tragedias se respiran como sea el clima, la convivencia con la desgracia cambia las perspectivas a cualquiera, incluso a la victima. Supervivencia…

Diosaoasis disse...

Gracias por compartir.
Saluditos.

La Gata Coqueta disse...

Hola amig@!! Irrumpo en tus aposentos para dejarte unas gotas de escarcha llenas de amistad, sentimiento que comparto al felicitarte los últimos días de la semana en este radiante día.

Un beso de la mano de un sueño.

Marí

Romicas disse...

Que bom ver essa criança que não sente o que nós, de fora, sentimos. Que bom ver a força que essa criança tem e até os seus familiares. Não há diferenças para estragar a felicidade que conseguem transmitir nessa naturalidade com que vivem os seus dias.
Obrigada por partilharem, desta forma, o que viram e o que sentiram.
Bjs para os dois.
Romicas